Créditos da imagem: Benoit Tessier/ Reuters
Já que existem leitores que discordam com educação, prometi complementar a coluna passada sobre Neymar. Como procurei deixar claro, aquele texto se dedicou a desconstruir um mau argumento usado em sua defesa. Por experiência profissional, posso garantir que uma defesa equivocada pode ser tão determinante à sentença que uma acusação bem feita. Mas Neymar, chatice à parte, também dá subsídios a um bom “advogado”. Por isso vou enumerar demonstrações de que, pois sim, o jogador tem seus pontos positivos como atleta profissional. E continuará a tê-los, se não for convencido de que tem mais é que “curtir a vida” e deixá-los de lado.
1 – cumpriu com louvor todos os programas de aprimoramento físico – Neymar deve ser o único “prodígio de Youtube” que vingou. Não apenas no aplicativo de vídeos, o futebol está cheio de garotos talentosos que não chegaram perto de fazer jus aos dons. Neymar seguiu com afinco o que foi determinado, inclusive quando já estava no Barcelona. Sem a força e a velocidade destes treinos específicos, poderia ter a mesma importância futebolística de Jean Chera.
2 – aprimoramento técnico constante – não só o físico evoluiu. Antes mesmo de estrear como profissional, Neymar fez esforços para aprender o que não fazia naturalmente. Em especial, chutar e passar com a esquerda. É um dos pouquíssimos não-ambidestros que o leitor já deve ter visto dar passes de trivela com a perna “ruim”. Nem Pelé (que o seu Dondinho não deixou ir para Santos sem chutar com a canhota). No Barcelona, a convivência com Messi acrescentou novas jogadas ao repertório técnico. Bem diferente da acomodação de muitas “jóias”.
3 – humildade no grupo – você não leu errado, não. Muitas vezes se confunde seu notório vedetismo com falta de humildade. São coisas diferentes. A postura que o jogador teve diante de Messi e Suárez (mesmo com a história de ser “o melhor do mundo”) foi exemplar e claramente espontânea. Mesmo no PSG, onde se falou em crises com Cavani (que estava na tal festa), não mostrou rebeldia quando o novo técnico o colocou para acompanhar lateral outra vez, deixando Mbappé com o privilégio de ser dispensado – como Messi no clube anterior. Não parece haver falsidade quando companheiros de seleção também o descrevem como humilde. Claro que ninguém disse que não é mimado, mas isso é outra história.
4 – cuidado com o corpo – ao mesmo tempo em que coloca o físico em risco com o monte de viagens (que contribuem para o desgaste no fim de temporada), Neymar tem pelo menos uma cautela que noventa por cento dos boleiros brasileiros dispensam. Sobram imagens suas nas baladas, bem como em todas as partes do mundo em questão de dias. Mas não se vê participações em trocentas peladas com amigos – tirando uma ou outra beneficente. Vários técnicos reclamam horrores dos profissionais brasileiros por conta disso. Deste sabão Neymar escapa.
Só estas? Tem outras, mas todas obrigações que qualquer profissional regular cumpre. Enumerei as raras num fora-de-série. Os defeitos já são conhecidos e nunca passei o pano para eles, em especial no que tange ao respeito a adversários durante a partida. Contudo, quando o tema é Neymar, por vezes a gente se concentra tanto nos senões que se esquece de comentar as virtudes em seu profissionalismo. Fica parecendo que ele é o Mozart retratado no filme “Amadeus”, fazendo de tudo para matar (literalmente, a despeito da participação de Salieri*) seu talento. Por isso esta coluna veio para dar equilíbrio às análises. Espero que, assim, os leitores entendam as críticas como um todo. O jogador precisa delas mais do que afagos infelizes.
*na História real, o bom compositor Antonio Salieri não teve nada a ver com a morte de Mozart. Foi o gênio que se prejudicou sozinho, de tanto “curtir a vida”.