Créditos da imagem: Montagem / No Ângulo
Pelé faz 80 anos e o pior presente que pode receber é discutir se foi o maior de todos. Seria passar recibo para a enorme bobagem de compará-lo a jogadores de qualquer outra época. Pelé não teve época. Seria estrondoso em qualquer tempo e isso não é saudosismo. É, como está na moda (felizmente), ciência. Fisicamente estava à frente dos demais. Tecnicamente, fazia o que se faria cinquenta anos depois. Só que com uma bola arcaica em campos que, atualmente, seriam comparados a cenários de guerra. Então minha homenagem visa solidificar algo que é tão óbvio quanto ser o melhor de todos os tempos: Pelé foi, disparado, o maior craque (ou MVP) da primeira conquista mundial do futebol brasileiro.
Confesso que, distraidamente, já fui um dos que repetiam a assertiva de que Didi foi eleito o melhor da competição e Pelé seria a grande revelação. Com o devido respeito ao mestre do meio-campo, não houve eleição oficial. Sendo assim, devemos nos fixar no óbvio. O que Pelé fez em quatro jogos foi tão sensacional que só não é seu maior feito porque estamos falando de Pelé. Mas teria sido mais que suficiente para colocá-lo no topo de qualquer edição de Copa do Mundo. Sim, qualquer edição. Incluindo 1962 e 1986, as Copas de Garrincha e Maradona. Registre-se que Pelé chegou ao Chile reconhecido como o melhor do planeta. Foi sua lesão que abriu caminho para o brilho de Mané (com o qual, em dupla, nunca perdeu pela seleção). Pelo sim, pelo não, os brasileiros ainda soltavam boatos de que Pelé poderia jogar a final. Um medo a mais no adversário nunca atrapalha.
Voltando a 1958, a capacidade de Pelé já foi notada na estreia pessoal. Garrincha assombrou os defensores russos e atraiu quase toda a marcação. Mas o gol que assegurou a vitória veio de tabela entre Vavá e Pelé, com incrível velocidade para dois atacantes que pouco se conheciam. O destaque solo viria no jogo seguinte. Com a retranca galesa fazendo efeito, o caminho mais improvável para marcar seria em lance individual no meio da área, recebendo de costas para o gol. Pelé contrariou os prognósticos. Arriscando canelas e ligamentos, girou com um toque sutil e finalizou por baixo do zagueiro. O mundo ainda não sabia, mas estava conquistado. Contra a França, três gols em sequência tornavam inequívoco aquilo que, semanas antes, nem parte da seleção sabia. Afinal, apesar dos números que já tinha com 17 anos, cariocas pouco acompanhavam paulistas e vice-versa.
Na ansiada final, o pequeno desvio de Pelé fez com que o cruzamento de Garrincha chegasse a Vavá livre para o empate. Antes de mais uma jogada do ponta para outro gol de Vavá, Pelé quase desempatara com um chute de esquerda na trave. Muito melhor sorte teria no segundo tempo. Devo dizer que nenhuma locução da época faz justiça ao terceiro gol brasileiro. Os narradores atuais arrebentam as goelas por qualquer gol em campeonato estadual. Um tento daqueles, numa final de Copa, era para realmente gritar alucinado. Apenas Nelson Rodrigues, meses antes, já entendera. Nem sua miopia o impediu de anunciar o surgimento de um monarca nos gramados. A matada, o chapéu e o voleio foram a coroação. Tudo na frente, pasme-se, do soberano local. Para tornar a mensagem divina ainda mais berrante, Pelé fez o último gol, no último segundo da Copa. Deus salve o rei.
O que viria em seu reinado é mais que decantado, como tudo o que Edson Arantes do Nascimento faria em sua vida. Inclusive com pessoas metendo o bedelho em sua privacidade, como se um rei não pudesse ser humano. Mas, afinal, são os ossos e cartilagens do ofício – como a série The Crown bem mostra. E tudo começou em nada singelas quatro provas de realeza. Não foi preciso uma senhora do lago para consagrá-lo, como na lenda do rei Arthur. Bastou, e sempre bastará, uma bola.
Obs: registre-se que foi Gabriel Rostey, amigo e colega de site, o primeiro a questionar a injustiça histórica de não apontar Pelé como o melhor da Copa da Suécia.