Créditos da imagem: Mariane Botelho/Divulgação
Um dos movimentos naturais de qualquer setor da economia é o da concentração. A dinâmica produtiva e de consumo levam as empresas à necessidade de ganhar escala para produzir e entregar ao consumidor produtos mais baratos e em prazos cada vez menores.
Naturalmente que este processo não pode levar a situações de monopólio, ainda que surjam determinadas hegemonias. Quando ocorrem situações como esta vem a inovação, pessoas com capacidade de fazer a mesma coisa de forma diferente, começando pequeno, leve, desburocratizado. Startups refletem este cenário e levam os hegemônicos ao caos da reinvenção.
Mas no futebol brasileiro não é assim. O país do paternalismo estatal e da caridade com bolso alheio ainda tenta fazer todos acreditarem que temos 700 times profissionais de futebol, que empregam mais de 20 mil atletas e que todos precisam jogar o ano inteiro, porque é “futebol profissional”. Ledo engano, e reside aí uma das grandes falhas do nosso futebol.
Vamos falar da Alemanha. São 33.644 clubes, de 2.344 Divisões. Somente 3 ligas/divisões efetivamente profissionais que abarcam 56 clubes. Daí há 5 ligas semiprofissionais com 92 times e 2.336 ligas locais amadoras, com os 2.196 times. É assim na Inglaterra e na Holanda, para ampliarmos os exemplos.
Nenhuma indústria se organiza e se estrutura quando há excessos. Fragmentação pode significar aumento de concorrência, mas também leva os players para o lado sombrio da gestão: preços tão baixos que não permitem pagar bons salários, atrasos de impostos, limitações de investimentos, falta de inovação.
No futebol com 700 clubes profissionais é justamente isso que acontece. E não é uma semântica; faz total diferença um clube – e consequentemente um atleta – ser profissional ou amador.
Clubes amadores não têm obrigações trabalhistas, obrigações fiscais, licenciamento da Fifa. Deveria jogar nas proximidades da sede, sem custos relevantes de transporte. Mas, naturalmente, não será campeão brasileiro. Em contrapartida terá uma relação digna e justa com os simpatizantes e atletas.
A grande maioria dos atletas profissionais no Brasil é amadora na prática. Todos os anos, após a segunda ou terceira fase da Copa do Brasil surgem matérias requentadas sobre o “o goleiro que ficará desempregado por 8 meses”, uma vez que a partir de Maio não terá competições para disputar.
Ora, este atleta é profissional? Claramente não. E saber que é amador muda tudo na vida dele e do clube. Se por um lado não terá jogado uma partida transmitida pela TV, por outro deveria ter uma profissão real que lhe proporcionasse rendimentos para sustentar a si e eventualmente sua família. Sem a ilusão de viver do futebol, e sem o sonho de jogar no Barcelona um dia (porque todos sonham com o Barça, o Real, o City e não mais com nossos times).
Nesse sentido, menos clubes profissionais geram escassez de oferta de empregos. Aliás, um clube profissional deveria ser aquele capaz de sustentar um elenco mínimo de atletas por pelo menos 12 meses, sem atrasos de salários, encargos, fornecedores, dívidas. Olhando nossos clubes hoje, talvez caiba na conta de duas mãos cheias. E muito clube que se acha grande ficaria de fora.
Desta forma, os clubes profissionais de fato seriam o destino dos melhores atletas, poderiam selecioná-los de forma a concentrar mais qualidade técnica e consequentemente isso ajuda a melhorar o espetáculo. Aos clubes amadores caberia a formação. Basta ver a quantidade de atletas que surgem na Europa sem nunca ter passado por clubes brasileiros que lhes permitam reconhecimento. Não há necessidade de acabar com o futebol do interior, apenas de retirá-lo da vitrine que ajuda a desenvolver modelos de negócios que visam tão somente a negociação de atletas e a existência de clubes de aluguel.
Este processo sozinho não resolve a vida do futebol brasileiro. Ao longo dos artigos tenho abordado mudanças de visão e ação que em conjunto compõem um processo de evolução, mas que isoladamente não levarão a lugar algum. Precisamos de planejamento, método e mudança de mentalidade.
O momento econômico que vivemos é o da “matematização”, da criação de algorítimos que respondam a muitas ou todas as nossas perguntas. Então, finalizando o tema e voltando ao atleta que ficará 8 meses sem atividade, deixo uma equação simples:
Frustração = Expectativa (-) Realidade
Traduzindo, se a Expectativa é muito alta e a realidade se mostra pouca, a frustração é certa e elevada.
Com menos profissionais evitamos a frustração geral de atletas, torcedores, evitamos o uso político dos clubes, a má gestão. Mais um caminho na recuperação do futebol brasileiro.
Perfeito! E, como costuma acontecer no Brasil, em nome de uma suposta preocupação com a igualdade/distribuição, acabamos puxando todos para baixo. Incrível como frequentemente escolhemos o perde-perde, e ainda somos conservadores para reformular o que está errado…
É mais fácil manter o status quo, mesmo que ele seja um erro.
É isso aí!!! Alto rendimento é para poucos!!!!! Não dá para querer que nosso futebol doméstico seja dos melhores do mundo se as escolhas são todas pensando nos semi-profissionais, e não na elite que fez a gente ser o país do futebol!!!!!!!!
mas nao da pra pensar so nos profissionais e deixar os clubes espalhados pelo pais morrerem!
Discordo em grande parte da justificativa do texto; mas não da premissa em lutar por maior organização. Digo isso pois o exemplo citado na Alemanha só demonstra que no final das contas nem temos tantos times assim, levando em consideração a população de cada país e suas dimensões: Alemanha -> 26 mil times inscritos na fifa. Brasil -> 29 mil. Inglaterra -> 40 mil. No interior de São Paulo a segunda divisão já é regionalizada e conta com times tradicionais. E olha que antes da segundona paulista existe primeira divisão até a A3. Cada estado do nosso Brasil é quase que um país da Europa; sendo assim, o principal problema não é o número de times profissionais e essa alcunha, e sim a qualidade de organização que eles tem, seja amador ou não. Times de empresários espalhados pelo país tem muito mais organização que clubes regionalizados, em localidades onde realmente o potencial de interesse específico da população e “pé de obra” poderia ser bem explorado. O problema passa pela administração e falta de transparência que acontece nas federações e nos próprios clubes de menor expressão, que afastam os patrocínios privados justamente por esses fatores negativos citados. Nossos clubes grandes já sofrem por terem cartolas que ficam anos no poder (agora menos do que nas décadas passadas), imagina então nos pequenos por aí. Falta gestão nos maiores e nos menores, tal como na confederação que comanda o futebol. Meio óbvio, mas n tem como sair dele analisando que em países com diferentes moldes de organização – se existir uma – a coisa flui.