Créditos da imagem: Renascença
Jogar em clube é uma coisa e em seleção é outra? Se clube e seleção são diferentes, evidente que há diferenças entre atuar por um e outro. Nos clubes o atleta treina o ano todo, tem mais chances de entrosar e, cada vez mais, pouco importa a nacionalidade da equipe – a ponto de já ter havido um time italiano campeão sem nenhum italiano entre seus titulares. O torcedor também é outro, assim como muda a passionalidade. O enfoque dos críticos também muda, passando a incluir certos critérios populistas. O clássico: quando sua seleção perde com jogadores que atuam fora, é porque estes não têm vínculo com seu país. Quando ganha, isso passa a não ter nada a ver, são todos compatriotas, etc… Mas hoje vou falar de uma diferença mais interessante e que traz um possível doping emocional a tiracolo: rivalidades que vão – muito – além do futebol.
Quem assistiu à fantástica batalha entre Portugal e Espanha, em que até companheiros de clube se degladiaram como se não houvesse próxima temporada, sentiu que era mais que um duelo no futebol. Lusos e hispânicos têm uma daquelas “relações especiais” que seguirão mal-resolvidas em séculos. Os ibéricos passaram por várias no segundo milênio. A começar (ou não) pelas Grandes Navegações, em que a empolgação chegou ao ponto de ambos decidirem dividir “amigavelmente” as novas terras, com o auxílio do Papa Alexandre VI. Que, como os estudiosos ou telespectadores da série “Os Borgias” sabem, era espanhol e de valores nada católicos. A Espanha ficou com a maior parte, inclusive do que seria o Brasil. Menos de um século depois, Portugal voltou a perder com a unificação de coroas e um longo domínio espanhol. E por aí foi, inclusive no futebol.
Foram anos de freguesia até os primeiros triunfos lusitanos. Tudo isso mexe com os ânimos, como diria a propaganda de uma companhia telefônica, de “um país inteiro”, entende? Para deixar os portugueses ainda mais felizes, a Espanha levou a melhor no confronto da Copa em que seria campeã, dando mais uma razão para terapias coletivas. Mas o destino tem suas revanches. Com o maior ídolo do maior clube espanhol, os portugueses enfim se sentem fortes para dar o troco. Os espanhóis querem manter a relação de dominância como trunfo não apenas nas quatro linhas. Some-se a estas parcelas os meses de expectativa e o drama espanhol sem treinador. O resultado foi acima de um jogo. Algo que motivou o já grandioso Cristiano Ronaldo a jogar como se fosse um personagem de Camões, em edição muito tardia de Os Lusíadas. Domínio histórico é a mãe, o pá!
Temos outras rivalidades europeias com origens óbvias e requintes de crueldade no futebol, normalmente envolvendo alemães. Com os ingleses, vinte e um anos depois da Segunda Guerra Mundial, uma final de Copa do Mundo em solo britânico – decidida por centímetros até hoje discutidos. Com os vizinhos franceses, também de memórias bélicas, a primeira decisão por pênaltis da História – além de outras passagens que, certamente, gerarão um frenesi parisiense no dia em que a França levar a melhor. Mas, como dito, são rivalidades continentais. Mais curioso é o que ocorre com Inglaterra e Argentina. Tudo por causa de um pequeno arquipélago, sem nenhuma importância econômica além de ovelhas. As Malvinas, ou Falklands, foram o estopim silencioso para o que estouraria mais de cem anos depois de sua ocupação britânica. E tudo começou em solo inglês.
Expulso após seguidas reclamações contra arbitragem, nas quartas-de-final da mesma Copa de 1966, o camisa 10 Ratin saía de campo sob vaias da torcida inglesa. Vendo sua seleção inferiorizada, o argentino fez gestos deselegantes com a flâmula britânica da bandeira de escanteio. Um escândalo. “Animais” – bradaram os anfitriões. A resposta: “ladrões das Ilhas Malvinas”. Os anos se passaram e a Argentina resolveu não ficar nos resmungos. O governo militar tentou tomar (ou retomar, na versão local) as Falklands e deu origem a uma guerra que seria gloriosa – só que para o governo de Margaret Thatcher, então primeira-ministra do Reino Unido. A alma dos argentinos só seria lavada em campo de batalha mexicano, graças ao general Diego Armando Maradona. E cada novo confronto, com vitórias para um lado ou outro, mostra que a pendência (que já teve pedido de ajuda ao Papa) não acabou.
Claro que nem toda situação histórica se reflete em campo. Na Copa de 1998, Galvão Bueno resolveu promover o insosso encontro entre as seleções do Irã e dos EUA, lembrando as tensões históricas (só não citou a Operação Argo porque o filme saiu quinze anos depois). Ninguém, nem as próprias seleções, deu bola. Para que a rivalidade ocorra em campo, é preciso que o futebol seja de suma importância para ambos. Não era, obviamente, o caso. O Irã venceu e nem por isso ouvimos sobre americanos revoltados, jurando vingança. Com o crescimento do interesse do futebol nestes últimos anos, mais a tensão decorrente da presidência de Donald Trump, é possível que os jogos contra o México ganhem este contorno – para provável deleite dos jornalistas da Globonews. Não faltariam piadinhas dos locutores (“os americanos armam o muro, digo, a barreira”). Pena que nem para a Copa eles foram.
E “nóis”? Pois é, taí uma rara peculiaridade de Copa da qual o Brasil não é parte. Nossa rivalidade com a Argentina sempre esteve restrita ao campo de jogo. Os países foram muito mais aliados que inimigos. Mesmo no caso do Uruguai, que chegou a integrar o território brasileiro como Cisplatina, não houve ressentimentos. Talvez haja algo com o Paraguai, por causa da Guerra no Século XIX que resultou na dizimação da população masculina do vizinho. Mas, se existe, seria apenas por parte do lado paraguaio – que, a rigor, foi quem provocou o conflito. Melhor assim. O futebol brasileiro não costuma funcionar bem nessas horas. Na ânsia de mostrar patriotismo, poderia chover cartões vermelhos. Nunca fomos grande coisa nas caravelas, nem nas armas. Fiquemos com a bola…
“O resultado foi acima de um jogo. Algo que motivou o já grandioso Cristiano Ronaldo a jogar como se fosse um personagem de Camões, em edição muito tardia de Os Lusíadas. Domínio histórico é a mãe, o pá!”
Foi descomunal mesmo! Acompanho Copas com propriedade desde 94, e não sei se já vi alguma atuação individual maior do que a do Cristiano Ronaldo ontem!
Zidane na copa de 2006 nas quartas de final contra o Brasil foi maior. Não me recordo de um jogador com tamanho controle sobre a partida como o que ele teve naquela noite.
E sobre as rivalidades entre nações, realmente, acho que não temos nada de muito relevante! E fiquei com dó dos portugueses quando se superaram e foram para os pênaltis contra a toda-poderosa Espanha, nas semis da Euro 2012, e acabaram eliminados. Ali seria uma vigança perfeita, baseada na superação!
Excelente.
Por ser um campeonato de “tiro curto” tem que dosar para que não aconteça o Lebron viveu nas partidas finais. Uma andorinha só…
Taffarel sempre foi um monstro na Seleção e deixava a desejar nos clubes onde atuava…..Ronaldinho Gaúcho sempre foi um monstro nos clubes onde atuou mas se usarem a razão vão ver que na Seleção nunca rendeu nem 30% do que poderia……e sobre o clube italiano ser campeão sem nenhum italiano no time tá refletindo hoje na seleção do país que nem na Copa está…..
Itália está mostrando hoje o que ela realmente é. Ganhou duas copas nos anos de 34 e 38, depois só em 82 e 2006. Caiu na primeira fase 2010, 2014 e ficou de fora 2018. Pra mim não está a altura de Brasil e Alemanha.
Pode não estar ao nível desses mas sempre foi seleção de respeito mesmo jogando um futebol que não é nem um pouco bonito. O excesso de estrangeiros liberados para jogarem nos clubes europeus acabaram com as ppais seleções.