Créditos da imagem: Montagem / No Ângulo
Nos comentários de minha coluna anterior sobre Neymar, houve uma discussão que não considerei agradável. Não que o interlocutor tenha sido grosseiro (longe disso), mas pela forma como deu crédito a determinada pseudo-informação, tão somente porque foi dita por determinada pessoa que não era parte na história e, como se não bastasse, disse ter ouvido de alguém cuja identidade não revelou. É um dos maiores vícios não apenas da comunicação, como da informação em si. O que define credibilidade não é apenas a fonte, mas também o conteúdo informado. Afinal, se até o próprio aludido pode não expressar exatamente a verdade, o que dizer dos demais?
Nos primórdios do FOMQ, quando muitos debatedores davam crédito ao “amigo muito bem informado”, estabeleci uma certa ordem inspirada no jogo “seis graus de Kevin Bacon”. Mudava o personagem, obviamente. Saía o ator, entrava o então diretor de futebol Juvenal Juvêncio. Diretoria (de verdade, não de latrinas)? Grau 1 na Corrente Juvenal. Conselheiro? Grau 2. E assim sucessivamente. Amigos dos citados levavam 2 pontos – ou seja: amigo do diretor era Grau 3. Importante: mesmo o grau 0 da Corrente (o próprio JJ) não significava certeza total. O dirigente adorava inventar histórias, especialmente em ambientes camaradas etílicos, para cativar seus admiradores. Um deles (que depois seria diretor) assegurou que o meia-atacante Alex, ex-Palmeiras e ex-Cruzeiro, estava apalavrado com o clube. Errou por quase vinte anos – e ainda só veio como treinador de base.
Passando para o tema Neymar, houve uma entrevista do ex-jogador Deco, antes que passasse a ser diretor de futebol do Barcelona, no canal de Youtube de Benjamin Back. No meio de um longo bate-papo, disse saber que o Barcelona é que não quis ficar com Neymar. Não apontou quem lhe passou a informação, nem deu detalhes. Muito menos o entrevistador foi a fundo, já que jornalismo não é sua praia. O que cada um de nós pode fazer diante disso? Vejo duas alternativas. A primeira é confiar cegamente em quem falou. A segunda é buscar os fatos da época e o que consta de certo a respeito. Em 2017, o PSG negociou com Neymar e depositou o valor integral da multa de seu contrato com o Barcelona. Foram cerca de duas semanas de suspense, entre a informação da proposta (jornalista Marcelo Bechler) e a transferência. Com direito a Torre Eyffel iluminada com as cores do Brasil.
É a partir disso que, colocando a memória e o Google para funcionar, temos uma série de pontos que desautorizam o “DECOdificador” – como um locutor folclórico de Barcelona chamava o talentosíssimo meia. Vejamos:
Ponto 1: jamais teria havido a mudança de clube se o jogador não quisesse ir. Foi um ato voluntário de Neymar. Porém, se preferisse continuar no Barcelona e abrir mão de tudo o que foi oferecido (e dado) pelo PSG, não haveria como o clube obrigá-lo a aceitar.
Ponto 2: a despeito de já estar realizando gastos descompensados com jogadores de qualidade duvidosa, o Barcelona ainda estava distante de uma situação econômica delicada. Tanto que usou todo o dinheiro da multa de Neymar na busca de um sucessor para o próprio Neymar. Todo, não. Todo e mais um tanto. Somando o que gastou com Dembélé (que se lesionou feio de cara) e Philippe Coutinho (seis meses depois), deu mais que a quantia recebida dos cofres franceses. Detalhe: os dois acabaram disputando a mesma posição, significando que uma fábula financeira ficava ora no banco, ora no departamento médico. Por que o clube catalão teria planejado um tormento desses?
Ponto 3: no episódio da saída do PSG para o mundo árabe, Neymar foi informado de que não estava nos planos e só jogou uma partida da pré-temporada (contra um time de terceira linha). Muito diferente do que ocorria no Barcelona. Foi relacionado para todas as campanhas de promoção na pré-temporada e estava participando dos jogos nos EUA, inclusive depois do dia em que surgiu a notícia de que aceitara a proposta – 17 de julho de 2017. Quando um clube realmente quer que a negociação de centenas de milhões de euros dê certo, não o coloca em campo – para evitar o risco de lesão. Mais: não havia, na ocasião, nenhuma negociação em andamento nem com Dembélé, nem com Coutinho. Em termos de gestão de futebol, é absurdamente indiscutível que o Barça contava com ele para 2017/2018.
Ponto 4: não houve nada que impedisse Neymar de revelar, nestes últimos seis anos, que o Barcelona o obrigou ou induziu a aceitar a mudança. Inclusive porque não houve uma saída negociada, na qual eventualmente o Barcelona pudesse ter imposto um acordo de confidencialidade. Na verdade ocorreu o contrário. Tanto em 2019 quanto agora, antes de aceitar a proposta árabe, Neymar e sua equipe sondaram a possibilidade de retorno. Lembrando que, em 2019, o presidente ainda era o tenebroso Bartomeu.
Ponto 5: como Deco foi breve e o apresentador não foi curioso, ninguém pode descartar que a assertiva daquele tivesse sentido figurado. O jogador pode ter reivindicado algo à diretoria que, uma vez recusado, teria sido a gota d’água para decidir, no auge de seu desempenho, brilhar em outra freguesia. Então, assim como Vader matou Anakin, a eventual indisposição do Barcelona seria o bilhete azul indireto. Ainda que improvável e efetivamente não provado, faria mais sentido que a dispensa do único jogador que, num jogo decisivo, teve a concordância de Messi para cobrar uma falta, bater um pênalti e ainda assumir o lance decisivo para o gol de Sergi Roberto.
Ponto 6: Deco pode não ser um loroteiro (até porque loroteiro geralmente não resiste a dar detalhes), mas quem assegura que sua fonte falou a verdade? Voltemos ao início da coluna: até o grau 0 na corrente pode contar suas mentirinhas. E uma dica até profissional: nunca perguntem por que as pessoas mentem. Elas simplesmente… mentem.
PS: não menti. A próxima coluna será sobre Neymar e a seleção. Aguardem.