Créditos da imagem: Reprodução/ Diez
O Futebol Mexicano retomou suas atividades com o início do torneio Apertura, chamado Guard1anes em homenagem aos profissionais de saúde que lidam com a pandemia da Covid-19.
O tema aqui será a forma como são distribuídas as partidas pelos diversos meios de transmissão. Lembro que no futebol mexicano os direitos pertencem aos mandantes e a temporada se divide em duas: Apertura (jogada no 2º semestre) e Clausura (1º semestre). São 18 clubes, que jogam em turno único. Ou seja, numa parte da temporada o clube tem direito a 9 jogos como mandante e na outra são 8 as partidas com direito a transmissão do clube que joga em casa.
Depois de 17 rodadas do turno, os classificados entre 5º e 12º se enfrentam nas oitavas de final (5º x 12º, 6º x 11º e assim sucessivamente), de onde saem os clubes que se juntam aos quatro melhores colocados para fazerem as quartas de final, até chegarmos às finais.
Parênteses:
Algumas considerações sobre o futebol mexicano: a primeira é que são clubes empresas, com donos. E há casos em que grupos de mídia que transmitem as partidas são donos de clubes de futebol, como o América, que é controlado pela Televisa (e não por acaso tem um ótimo contrato e ocupa lugar de destaque na grade do canal), o grupo Claro, que possui participação no Pachuca e no León. Isto impacta diretamente o tema, uma vez que os valores podem ser super ou subavaliados.
O futebol mexicano passou por uma mudança em sua estrutura a partir de 2018. Foram suspensos os descensos por 2 anos (2019 e 2020). O objetivo oficial é estabilizar financeiramente as equipes menores, que poderão manter custos controlados ao não precisar investir na montagem de elencos competitivos necessários para a disputa da divisão principal. Lembrando que a FIFA não vê com bons olhos restrições ao descenso, que é um dos pilares da indústria do futebol (competição nas duas pontas da tabela).
Em 2021-22 voltam acesso e descenso, condicionados a avaliações financeiras dos clubes que vêm da segunda divisão.
Inclusive, uma das formas de ajudar nesse processo de busca de equilíbrio financeiro e competitividade foi a mudança da forma de comercialização dos direitos de TV da segunda divisão, a chamada “Liga de Expansión”, que passou a ser coletivo e não mais individualizado a partir do direito do mandante.
A ideia da liga é ser um exercício de revolução do futebol mexicano. Cada equipe terá um orçamento máximo de US$ 2,25 milhões e só uma gestão eficiente do produto será capaz de garantir resultado positivo aos clubes. Para isso precisam mais que futebol. Segundo o jornalista Javier Salinas do jornal El Economista, “Se vender apenas futebol a liga será um fracasso. O produto deve vender identidade local, comunicação eficiente, criação de conteúdo que tragam a torcida para perto de clubes que sonham em crescer”.
Aliás, este será um teste para a liga, que estuda mudar o modelo da Liga MX BBVA (nesta temporada chamada “Guard1anes”), que tem recebido recomendações tanto da MLS quanto da LaLiga (a partir de palestras e entrevistas dadas por Javier Tebas, presidente da liga espanhola). Inclusive, Tebas recomenda a centralização para se obter mais dinheiro, organizar melhor o marketing e poder comercializar de forma organizada os direitos internacionais.
Voltando…
Para a fase inicial os clubes assinaram contratos com 8 transmissores, que escolhem o dia e o horário em que as partidas são transmitidas. Entre os players temos:
- TV Aberta: Televisa e TV Azteca
- TV Fechada: TUDN, ESPN, Fox Sports, Claro Sport, Izzi
- Streaming ou possuem app para internet: TUDN, ESPN, Izzi, Fox Sports e Chivas TV
A distribuição de partidas por veículo é a seguinte:
A distribuição costuma ter mais de um veículo por clube, que mesclam transmissões exclusivas com compartilhadas. Por exemplo, o América terá todas as partidas transmitidas em TV Aberta pela Televisa no Canal 5, o mais popular do país; mas algumas em conjunto com a TUDN, que é o canal pago de esportes da mesma empresa.
Em outros casos há distribuições de partidas exclusivas, como, por exemplo, o Pumas, que terá partidas exclusivas na TUDN, outras exclusivas do canal Las Estrellas, e algumas nas quais os dois transmitem em conjunto.
As partidas são distribuídas por dias e horários pré-definidos, de acordo com o clube e o interesse de quem comprou os direitos. São assim distribuídos:
Desta forma, os jogos do América são transmitidos sempre aos Sábados às 21h, assim como os do Pumas são aos Domingos às 12h. Mas o Cruz Azul joga aos Sábados às 19h ou 21h, a depender de quem transmitirá sua partida, se a Televisa ou a TUDN. Quando América e Cruz Azul jogam em casa, a Televisa mostra o Cruz Azul às 19 h e o América às 21, ou o Cruz Azul vai para a TUDN às 19 h ou 21 h, a depender do adversário.
Por conta dos efeitos da Covid-19, esta temporada foi reduzida e as partidas espalhadas em mais dias e horários, para garantir os protocolos sanitários.
Com estas escalas os torcedores precisam fazer uma ginástica para acompanhar seu clube quando atua fora de casa. Vamos a dois exemplos, o Chivas e o Atlas, ambos da cidade de Guadalajara:
Para ver toda a temporada o torcedor dos times de Guadalajara precisa assinar 4 canais diferentes, considerando que algumas partidas serão transmitidas pela TV Azteca, que é aberta.
O custo total pelas assinaturas seria algo como 589,00 pesos mexicanos mensais, ou cerca de US$ 26,55 mensais. Além do valor, ainda tem que gerir os 5 canais, sendo que no caso do Chivas as partidas que são transmitidas pelo Izzi também serão pela Chivas TV, ao mesmo custo.
Os clubes mexicanos conseguem com estas negociações algo como US$ 157 milhões pelos direitos de transmissões locais e outros US$ 95 milhões pelos direitos nos EUA, basicamente pelos mesmos canais. Isso dá US$ 252 milhões, que representa 62% do que o Brasil recebe, considerando o câmbio de 2020 (US$ 1,00 = R$ 5,20). Para fins de comparação econômica, o PIB Mexicano de 2019 representou 68% do PIB Brasileiro. Se a relação fosse a mesma na venda de direitos de TV, a Liga Mexicana deveria valer US$ 275 milhões, ou cerca de 9% a mais do que vale.
Nos últimos quatro anos os valores para os clubes praticamente dobraram, à medida em que entraram novos players, como a Fox Sports. Alguns clubes têm contratos por três ou quatro temporadas, enquanto outros renovam anualmente. Ao mesmo tempo, o aumento de valores para os clubes significou aumento de preços para os torcedores, pois antes eram partidas dominadas pela Televisa e TV Azteca, canais abertos, e agora há um bom número de jogos em veículos pagos.
Seguimos as comparações com os custos para os torcedores.
Na tabela abaixo temos o valor que um torcedor do Chivas ou do Atlas paga para ver todas as partidas de seu clube, e quanto pagam os brasileiros, italianos, ingleses e alemães, comparando sempre com a renda média mensal do país. Para o Brasil usamos o valor do Premiere Play, que não demanda assinatura de TV Paga:
Note que o México é o país com o custo mais alto em relação à renda mensal média da população. Lembrando que nos três países europeus não há partidas em TV Aberta, enquanto no Brasil há algumas partidas (entre 2 e 3 por rodada) e no México alguns clubes possuem acordos com TVs Abertos e outros exclusivamente com TVs Fechadas.
Fiz um exercício usando o percentual de comprometimento da renda nos países da amostra e comparando com a renda brasileira. O resultado é o seguinte:
Se tivéssemos os mesmos percentuais dos países da amostra, o brasileiro pagaria 44% a mais pelo modelo mexicano, pagaria menos pelos modelos alemão e italiano, e acima do que paga hoje no modelo inglês, cujo valor dos direitos é efetivamente mais elevado que os demais.
Agora, veja a comparação de penetração de TV Paga e serviços de streaming (chamados OTT – “Over The Top”) no México e no Brasil, segundo estudo da Business Bureau referente aos dados de toda América Latina ao final de 2019.
Os dados acima explicam por que o mercado mexicano de transmissão de futebol migrou em parte para os serviços de TV Paga e streaming.
A TV Paga tem o dobro de penetração que no Brasil, enquanto os serviços de OTT chegam a 45% das residências, e no Brasil estão em 34%. Mas claramente melhor que na TV Paga.
É o desafio de ambos: pensar em modelos individualizados, com contratos de longo prazo e mudança de perfil de consumo em andamento.
Uma das mudanças tecnológicas que tende a impactar fortemente o mercado de direitos esportivos é o 5G móvel. Com menor latência e maior velocidade e capacidade de transmissão simultânea, o 5G deve mudar definitivamente a forma de transmissão de imagem e som no futuro próximo. Quer dizer, no futuro, pois “próximo” depende de algumas mudanças, como (i) disponibilização do espectro de banda mais eficiente; (ii) investimentos das operadoras de telecom; (iii) renda da população para troca de aparelhos e contratação dos serviços.
Enquanto no México os investimentos já foram iniciados e a expectativa antes da pandemia era de que ao final de 2020 houvesse disponibilidade de serviço comercial, ainda que em baixa escala, no Brasil as operadoras iniciaram testes em rede ineficiente e em regiões específicas, e o leilão da banda de 5G está previsto para 2021, o que indica que os serviços comerciais devem iniciar a partir de 2022, a depender de como as relações comerciais se desenvolvam (há muitos aspectos sobre o vendedor da infraestrutura de tecnologia, preços, capacidade de entrega, entre outras coisas).
De qualquer forma, o 5G mudará a maneira como os serviços serão entregues, mudando ainda mais a relação dos consumidores de esportes com o jogo, a tela, o momento. Mais oportunidades, mas mais riscos.
Enfim, a partir do cenário mexicano e de alguns aspectos tecnológicos e econômicos, trouxe uma visão técnica sobre impactos potenciais do modelo de comercialização de direitos de TV no futebol feitos pelo mandante, tema da MP 984. Toda mudança significa oportunidades, e geralmente nascem por conta disso. Mas todas trazem riscos e efeitos colaterais. No caso da MP 984 é possível que haja múltiplos vencedores e perdedores. Torça para estar entre os que levantarão a taça.
PS: Agradeço ao Dan Gamba pela ajuda no entendimento do futebol mexicano. Brasileiro, profissional de Sports Entertainment radicado nos EUA, é conhecedor profundo das estruturas do futebol da América Latina e EUA.
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