Créditos da imagem: Sven Hoppe/dpa
Uma discussão que já tivemos no FOMQ (Fórum O Mais Querido, onde mãe de hienas tricolores até entra, mas não curte), perguntamos como alguns nomes do passado teriam que se adaptar ao futebol atual. Porém, mais adiante vimos uma situação surpreendente: a volta do 4-4-2 em equipes de peso, como Real Madrid e Barcelona. Porque seria o esquema mais moderno? Longe disso. Só que, no caso concreto, vem sendo melhor – com adaptações – para abrigar os melhores do elenco. Pensar nisso me fez chegar aos dois catalisadores das idas e vindas táticas. A primeira é a parte física. Com jogadores correndo mais, é possível criar alternativas diversas do jogo estático de outras décadas. A segunda é de ordem técnica e pode ser resumida assim: o bom jogador se enquadra no esquema; o grande jogador enquadra o esquema.
Falo constantemente do armador, aquele que atua nos moldes de Xavi, Iniesta e Kroos (e que poderia ter sido o caso de Hernanes e Ganso). Não é nem segundo volante, nem meia-atacante. Mas, como esta posição não era usada antes que Xavi e Iniesta explodissem, até eles tinham que ser volantes quando fizeram as primeiras partidas. Foi preciso que técnicos tivessem a sensibilidade de alterar a forma de jogo em favor deles. Provavelmente, foi Pep Guardiola que, talvez pensando em si mesmo (como volante, levou um baile de Raí em 1992), formulou obrigações ofensivas e defensivas adequadas aos dois. A novidade se espalhou e mesmo o rival madrilista usa, hoje, os dois armadores à frente de Casemiro. Outros nomes não tiveram tanta sorte. Pirlo foi até um bom volante durante quase toda a carreira. Demorou para finalmente o treinador ajustar o time em sua função. Ao menos aconteceu a tempo de se aposentar armando, como craque indiscutível.
O mesmo Guardiola promoveu um salto que deixou Messi em superioridade estratosférica sobre os demais durante um bom tempo. Sua versão de falso nove, como comentada anteriormente, permitiu à pulga pegar a bola entre as linhas e avançar de frente contra a zaga indefesa. Hoje o argentino não é mais falso nove, até porque a idade não permite a frequência agressiva de antes. Mas segue nas entrelinhas, pautando a organização do Barcelona. Também não foi diferente em Madri. Cristiano Ronaldo não é mais um garoto para atuar aberto e fechar constantemente para a artilharia. O que fez Zidane? Centralizou-o, só que não como centroavante. Tampouco como meia-atacante. O gajo atua como ponta-de-lança, bem próximo ao camisa 9. Era uma forma de jogar típica dos anos 1960, tendo como maior expoente o Rei. O que ajuda a responder à eterna pergunta sobre como Pelé jogaria hoje em dia. O hoje em dia é que se ajustaria a Pelé – provavelmente, misturando as funções acima.
Mas não são apenas os extraterrestres que justificam o heterodoxo. Vejam o caso de Bebeto. O tetracampeão teve dificuldades em parte dos anos 1980, justamente porque não se sentia confortável nem no meio-campo, nem na ponta e nem na “centroavância” (é piada, não tentem introduzir em outros textos). Na medida em que o “bota ponta!” foi caindo, surgiu espaço para o segundo atacante, que fazia o pêndulo em torno do centroavante. Foi assim que Bebeto deixou de ser um vai-não-vai para se tornar um dos três melhores de uma geração com Romário e Müller. Aliás, por mais que este último não goste de admitir (ou nem entenda), foi com Telê Santana que chegou a sua versão mais mortal, semi-aberto pela esquerda num time que não tinha centroavante, para que Raí tivesse seu auge como um tipo de ponta-de-lança vislumbrado pela genialidade de Telê. Função esta que o camisa 10 não pôde fazer em 1994 porque não faria sentido sacrificar um gênio da camisa 9, Romário.
Claro que seria tão simples se fosse tão simples. Quando um treinador molda esquemas, precisa fazer alterações colaterais a fim de que o time fique competitivo. Para que Messi e Cristiano pratiquem a plenitude ofensiva, outros jogadores precisam se adaptar. Barcelona e Real Madrid usam um armador compondo a linha defensiva pela lateral – o que, inclusive, torna importantíssimo que recuem pouco, ou este armador ficará esgotado na hora de atacar. Existe outro ponto: há um limite de adaptações possíveis. Além do citado exemplo de Raí na Copa (ainda tinha que marcar o lateral para cobrir Bebeto), no trio MSN não havia como dar privilégio defensivo a todos os três integrantes. O cracaço Neymar teve que se enquadrar ao esquema e acompanhar o lateral, porque se há uma coisa impossível é disputar grandes títulos marcando com sete. Vira aquele time que, ao enfrentar equipes organizadas, faz três e toma quatro. Acredito, pois sim, que foi a busca deste privilégio que mais o atraiu até o PSG.
Enfim, esta suscetibilidade a alterações em razão de notórias individualidades torna improvável que, algum dia, o futebol estabilize suas táticas como outros esportes coletivos. Grandes jogadores, com suas peculiaridades, sempre abrirão caminho para novas tentativas de treinadores. Desde que estes também sejam grandes. Do contrário, teremos atletas que poderiam ter sido excepcionais, mas ficarão marcados como “sonecas”, “irregulares” e outros adjetivos pouco generosos. Pior ainda: teremos times que poderiam ter sido muito melhores, mas não foram por conta de quem quis moldar o grande talento a sua visão limitada. Soa familiar?
Em tempo: esta deve ser minha última coluna deste ano. Haverá bem mais em 2018 – se não implorarem pra que me demitam (rs). Boas festas a todos!
Gustavo Fernandes, muito bom, como sempre. Agora uma curiosidade: você já considera Tite um dos grandes em nível mundial? Ou a Copa que definirá isso?
Eu acho Tite um técnico de nível mundial. O único brasileiro da atualidade que, seguramente, pode figurar neste rol. Para ser um dos grandes, todavia, considero que precisará treinar um clube que possibilite ver todo o repertório. Não que uma seleção brasileira não traga tal possibilidade em termos de recursos humanos, mas as seleções de hoje se reúnem por pouco tempo, de modo que dificilmente um técnico pode fazer algo mais elaborado. Neste contexto, tampouco considero Low um desses grandes. É obviamente um treinador capacitado, mas o critério tem que ser igual para todos. Acredito que uma grande Copa abrirá mercado para Tite mostrar seu potencial e melhorar a imagem ruim deixada por compatriotas mal-sucedidos.
Falta enfrentar os grandes europeus, por enquanto a seleção só bateu em bêbado aqui na América. Tem potencial.
E valeu demais por este ano! O No Ângulo está cada vez mais prazeroso e com maior alcance. Que 2018 seja ainda melhor! 😉
PARABÉNS. ESTÁ GARANTIDO EM 2018. UM ABRAÇO.
O futebol brasileiro precisa deixar de viver do passado , inclusive nossos técnicos. Achamos que somos a ultima bolacha do pacote e nos ultimos anos somos humilhados pelo futebol europeu. Enquanto nossos preparadores não orientarem que é preciso jogar de primeira vamos servir de chacota , que no fuebol moderno todos tem a funçao de marcaçao estaremos perdidos . Nossos times no Brasil penteam a bola antes de toca la. O futebol.atual a marcação é pessada não há espaço pra firula e insistimos em jogadores considerados habilidosos. Habilidoso @é o jogador que pensa antes da bola chegar toca e procura um espaço vazio para.receber a redonda. Tem sim que saber fintar isso é fundamental mas em algumas oportunidades de um contra um. A América do.Sul vai apanhar muito tempo se não mudar a maneira de jogar contra times europeus. Simples assim
Claro q somos humilhados,pois aqui só ficam os cabeça de bagres… como um time normal vai ganhar de uma seleção no mundial de clubes? Só se der a zebra
Excelente texto. Análise perfeita.
[…] o mesmo poder. Venceu o Milan, porém passou a ser superada pelo Palmeiras de Evair. Como disse em coluna anterior, o craque adequou o esquema. Sem ele, foi-se o […]