Créditos da imagem: Marcello Fim/Ofotográfico/Folhapress
A chegada de Jorge Sampaoli ao Santos, no início desse ano, reacendeu algumas discussões filosóficas que volta e meia vem à tona no futebol brasileiro, afinal, com pouco tempo de treino e uma teórica escassez de talentos o argentino faz a equipe alvinegra vencer e jogar bem, como de fato é raro no Brasil. Antes do clássico contra o Corinthians, Carille irritou-se ao ser questionado se o colega adversário trazia “novidades”, afirmando que não há nada de novo sob o sol de Santos.
Me parece, porém, que há de fato um certo equívoco ao tratarmos Sampaoli como um resgate do modelo de “futebol brasileiro”. Afinal, posse de bola, marcação no campo adversário e trocas constantes de posições são características natas do “nosso” futebol? Arrisco dizer que não.
Vejamos os últimos três títulos mundiais conquistados pelo Brasil. É fato que Zagallo teve muitos méritos em colocar os melhores em campo nos gramados mexicanos. Mas não foi apenas essa a contribuição do treinador. Ao substituir o idealista Saldanha, o Velho Lobo alterou também a disposição tática do time. Uns falam em 4-3-3, outros em 4-2-3-1, mas o fato é que o 4-2-4 de 58 havia ficado para trás. O Brasil de 70 sabia recuar as linhas e contra golpear, amparado no talento de gente do quilate de Pelé, Tostão, Carlos Alberto Torres e companhia. Para isso, contavam com uma preparação física invejável, que teve ajuda da NASA (o livro “A Pirâmide Invertida” foi uma das grandes leituras que fiz nos últimos anos, contando essas e outras histórias).
Em 94, aí sim, um time que primava pela posse de bola, mas era uma posse diferente da santista. A posse dos comandados de Parreira tinha uma proposta pragmática, em que o objetivo era os contra-ataques de Romário e Bebeto. Não à toa, o time de 94 não é reconhecido como um exemplo acabado de “futebol brasileiro”, pelo contrário, é olhado sempre com certo desdém por amantes do futebol dito bem jogado.
O time de 2002, mais claramente ainda, não era adepto do jogo de passes. Pelo contrário. O pragmatismo de Scolari é todo baseado num jogo mais direto, vertical, em que o talento brasileiro se sobressai à medida que surgem os espaços. A título de exemplo, a posse de bola na final do Japão foi de 56% para os alemães. Eis o ponto: historicamente o futebol brasileiro é mesmo conhecido por tratar bem a bola, mas isso não implica, necessariamente, em rodar a bola indefinidamente.
Ah, mas e a Seleção de 82? Essa sim marcou o mundo com um jogo em que se impunha em campo, inclusive pela posse. Mas me parece que na escola brasileira de futebol, em poucos momentos essa foi a tônica.
Há muitas formas de ganhar e de jogar bonito. O Palmeiras de Felipão, por exemplo, quando joga bem, como na terça-feira, contra o Melgar, o faz através da eficiência no ataque e segurança defensiva. O problema não é ter a bola por mais tempo, mas sim o modo como se constrói as jogadas quando a tem.
Talvez Carille tenha razão, Sampaoli não traz grandes novidades, mas não nos faria mal olharmos com carinho para quem sabe o que fazer com a bola e gosta dela.