Créditos da imagem: Montagem / No Ângulo
O locutor André Marques soube, em cima da hora, que transmitiria com exclusividade televisiva* uma partida oficial da Seleção Brasileira. Habituado a narrar partidas de Série B para baixo, não raro confundiu jogadores. Neymar era Firmino, Firmino era Neymar e Richarlison virou Cebolinha, entre outras miopias. Normal. O saudoso Marco Antônio cometeu várias dessas, em suas primeiras transmissões de Bandeirantes. Mas repercussão mesmo ocorreu por força de dois abraços ao presidente da República, por ordem do secretário executivo do Ministério das Comunicações. Com Márcio Guedes comentando, só faltou o “Pra frente, Brasil” para o telespectador pensar que colocaram alguma coisa em seu refrigerante.
A obediência de Marques à ordem superior se tornou alvo de críticas. Deveria ter se recusado a cumprir o determinado? Antes de responder, é preciso lembrar que isso está longe de ser inédito. Os dois mais decantados locutores da TV brasileira, Luciano do Valle e Galvão Bueno, já atenderam a interesses das respectivas emissoras numa ótima. O Bolacha se rasgava em elogios a Eduardo José Farah, então dono da Federação Paulista de Futebol. Chegou a protagonizar um teatrinho constrangedor, em que sugeriu no ar que o intervalo dos jogos tivesse torneio de pênaltis para entreter o público, sendo imediatamente atendido por Farah. Também era benevolente com a gestão vascaína, quando esta ajudava a Bandeirantes a conseguir direitos de transmissão. Não citava Eurico Miranda nominalmente, mas o presidente fantoche Calçada era sempre o “simpaticíssimo”.
Já Galvão, quando a Globo tentava evitar a implantação dos pontos corridos, chegou a mentir durante uma transmissão. Declarou que a Federação Alemã estudava implantar o mata-mata em seu campeonato nacional – na verdade, era a fórmula de outro torneio. Empolgado na subserviência, soltou uma de suas pérolas históricas: “se ponto corrido fosse bom, Copa do Mundo tinha ponto corrido!”. Falando em Globo, todos os seus locutores passaram décadas não podendo falar nomes de times e equipes que envolvessem empresas. A ponto, lembro de novo, de um jogo na cidade de Toyota ter virado “na região de Nagoya” para não aludir à fabricante de automóveis. Não me recordo, sinceramente, de nenhuma onda de críticas por Luciano, Galvão e demais terem obedecido, por vezes alegremente, aos comandos de suas chefias. “São profissionais agindo profissionalmente” – seria a clássica explicação.
“Ah, mas Marques agiu numa emissora pública!”. Sim, a EBC. Aquela que, ao obter 3 pontos de audiência, mais que triplicou seu Ibope habitual. A rigor, que diferença faz em relação ao profissional contratado? O vínculo do locutor com o canal público é o mesmo de Galvão Bueno com a particular Globo. Não há concurso público para locutor da TV Brasil. Muito menos estabilidade. Se não interpretasse o papel que lhe foi imposto, André Marques seria demitido ou escanteado nas transmissões. Justo num dia que talvez não se repita mais em sua carreira. Carreira na qual agressores de ouvidos alheios estão em melhores postos. Por parentesco, amizade e, não raro, afinidades ideológicas. Será que conseguiria uma vaga no UOL se recusasse o abraço e expusesse o incidente? Talvez sim. Talvez não, por contenção de despesas. Afinal, a cota ideológica já é preenchida com medalhões.
A cena de terça-feira foi lamentável. Como disse acima, remete a tempos que só trazem saudades a desavisados ou lesados. Mas culpar o mensageiro e sugerir seu ostracismo traz o outro lado que se prefere esquecer. O lado que extirpava do meio cultural quem não se submetia à patrulha. Trajano & Cia não prestam serviço a ninguém, a não ser às próprias vaidades. Assim como Márcio Guedes no canto de lá, dormem achando que ainda não foram superados pelo tempo.
*a transmissão do EI Plus, com os berros de André Henning, foi para o streaming.
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