Créditos da imagem: Rafa Rivas/AFP
Será feita justiça se a Espanha vencer o Brasil amanhã. Em que pese toda a torcida pra que a seleção brasileira conquiste mais uma taça, mesmo que essa já exista em grande quantidade no armário, sempre que vejo uma equipe em um ciclo histórico de sucessos, torço pra que ela complete esse ciclo cumprindo todas as missões que podemos imaginar que lhe serão colocadas à frente. Uma delas é, e sempre será, vencer a seleção mais tradicional do planeta. A nossa.
A Espanha atual é uma referência na história de futebol, não há como negar. Transformou em realidade um padrão de coletividade integral sonhado há décadas, e por muitas equipes, que já ficara apagado – se existiu dessa maneira – num passado distante. Aquele do preto e branco e de jogadores que representavam mais de um país em suas carreiras. Aquele dos calções curtos e bolas escuras, em que as marcações eram generosas, e mesmo que uma equipe não mantivesse a posse da bola com compactação, desfrutava do direito de tocá-la tranquilamente, impondo seu balé particular para deleite dos espectadores.
Não: essa Espanha encheu os olhos do mundo conseguindo por em prática o estilo que eu chamo de “drible coletivo”. Aquele que é produzido com método, com treinamento de aproximação, trianqulações e dois toques, e substitui com eficiência qualquer falta de qualidade individual para ultrapassar marcações. Respeitando a razão de ser do futebol; a razão pela qual ele foi criado: um esporte coletivo com bola jogado com os pés e sem os mesmos trancos e barrancos físicos que caracterizavam o rugby, seu ascendente, no século 19.
É da natureza do futebol espanhol o perfil lento, cadenciado e que não usa a força física. Nunca foi à toa que o futsal do país sempre foi uma referência mundial. É a única seleção que consegue fazer frente à brasileira nessa modalidade. Então, a grande redenção da Fúria em sua história ocorreria quando ela conseguisse explorar suas principais virtudes técnicas e transformá-las num jogo competente. Levar o futsal para o campo, por assim dizer. E isso finalmente aconteceu. Depois da longa e aparentemente interminável fama de jogar como nunca e perder como sempre.
Como potencializar essas virtudes, sem um campo contundente para testes constantes? É aí que entrou o Barcelona, planejando obstinadamente essa filosofia de jogo ao longo de anos. Após uma história de grandes craques estrangeiros, chegou a vez dos homens locais. Iniesta, Xavi, Pedro e companhia não são jogadores especialmente fortes. Também não são jogadores particularmente rápidos. No máximo são habilidosos para os toques curtos. De onde vem tanto sucesso? Simples: são produtos da filosofia Barcelona, que amarrou um perfil tático aos seus jogadores mais talentosos. Um time cuja base tem como herdeira natural a seleção nacional. Mesmo o argentino Messi deve grande parte de suas premiações ao clube aonde nasceu para o futebol profissional, que lhe moldou ao estilo local. Resumindo: o craque tem um futebol muito mais espanhol do que argentino.
Lembremos da parte inicial da carreira dos dois xodós atuais da Espanha, Xavi e Iniesta. O primeiro sempre foi respeitadíssimo em seu clube e país. Mas nunca encheu os olhos do mundo ao ponto de disputar um título de Bola de Ouro, até bem próximo dos 30 anos. O segundo disputou uma final de Mundial de Clubes contra o Internacional em 2006 sem passar de um mero coadjuvante. Caso parecidíssimo. O que aconteceu foi que agora ambos estão em seu habitat natural, e destoam. Não acho que possa ser mais óbvio que o maior mérito não é dos jogadores, e sim de seus times.
Cozinhe com os ingredientes que você possui em mãos. O case “Barcelona e Espanha” deve ser analisado com atenção pelas próximas gerações táticas do futebol, como um exemplo de como tirar o melhor daquilo que temos de melhor dentro de nós, elevando ao topo uma auto estima abalada depois de décadas de sucessos aguardados, mas nunca materializados.