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Nas colunas anteriores comentei sobre a diferença entre profissionalização e remuneração de gestores e sobre a função do COO. Para completar o tema precisamos falar do controle acionário e como isto impede que os clubes no Brasil avancem em direção aos europeus.
É um tanto surreal estarmos em 2018 falando em profissionalização de Futebol Profissional. Imaginar que uma atividade remunerada e que gera receitas enormes para seus players ainda é feita de forma amadora, foge a qualquer senso de lógica. Mas ainda tratamos o Futebol como paixão e não como negócio, seja por parte dos torcedores, dos dirigentes e de vários stakeholders que se beneficiam dessa postura.
Uma discussão que sempre permeia este tema é o do controle acionário dos clubes. Muitos alegam que o fato dos clubes serem associações impossibilita as gestões de tomarem decisões técnicas e muitas vezes duras, quando é necessário dar satisfações a tantos “donos” dentro da organização. Outros usam Real Madrid e Barcelona como exemplo de associações que funcionam. Na semana passada comentei que o modelo não importa, desde que a visão sobre profissionalização esteja presente e implantada de fato, não apenas na retórica.
O fato é que há um aspecto cultural que precisa ser quebrado. Clubes de futebol são empresas, que faturam mais de R$ 200 milhões anualmente e que lidam com público cativo na casa dos milhões – não gosto de chamar torcedor de consumidor, porque consumidor só é fiel a quem o trata bem, e os clubes insistem em tratar mal seus teóricos consumidores, e mesmo assim eles permanecem fiéis.
Para que o futebol brasileiro cresça, os clubes precisam virar empresas de verdade. Já não é mais uma questão de poder ser profissional sendo associação. Não haverá Real Madrid e Barcelona por aqui, pois a postura dos dirigentes, conselheiros e sócios é a de posse. Como se as marcas que hoje faturam e atraem milhões fossem deles. Não são. Pertencem aos torcedores e só existem e faturam os tais milhões porque tem tantos torcedores. E é por esta visão que Real e Barça são mais que associações.
Uma indústria que fatura mais de R$ 4 bilhões anuais precisa que seus membros sejam geridos de forma lúcida. Precisam que as decisões dos gestores, profissionais como os atletas, sejam tomadas buscando a maximização das receitas, o controle dos custos e o lucro. Ah, o lucro! Não falo apenas em termos financeiros, mas fundamentalmente em termos esportivos. O lucro de um clube de futebol continuará sendo o melhor desempenho esportivo, porque este desempenho possibilitará mais receitas e, oxalá, lucros financeiros. Quanto maior for a independência e capacidade do gestor, melhores serão os resultados dentro de campo. E se isto significar distribuir lucros – dinheiro! – para seus acionistas, por que não?
Há formas de se fazer isto sem quebrar as tradições ou excluir definitivamente os associados atuais da estrutura do negócio. A alternativa viável seria a cisão do Clube de Futebol do Clube Social, sendo que este passaria a ser o acionista majoritário do Futebol. A partir daí é possível criar uma série de composições societárias, com a entrada de acionistas estratégicos e mesmo torcedores. Todos seriam representados de forma proporcional à sua participação societária num Conselho de Administração, órgão responsável pelas deliberações estratégicas. Não é novidade, pois em Portugal e Alemanha é assim. Ou seja, não precisamos nem inventar a roda, basta coloca-la para rodar.
O Conselho de Administração define a diretriz, mas fica à margem das ações táticas, que é a gestão cotidiana do clube, como montagem de elenco, definição de COO, treinador, ou seja, “o negócio”. O plano tático deveria ser aplicado por gestores profissionais, cobrados por desempenho esportivo e financeiro, com liberdade e isenção para adotar as medidas necessárias que possibilitem atingir as demandas dos acionistas e torcedores.
Afinal, o que garante que um dirigente político é mais preparado que um gestor técnico para escolher profissionais que defenderão sua marca? Nada. E o histórico das gestões dos clubes brasileiros apenas comprova isso, uma vez que vivem em dificuldades financeiras e técnicas há anos. O diretor abnegado que trabalha de graça e que faz parte de um grupo político do clube que dá sustentação a um presidente político representam um passado que precisa ficar cada vez mais distante.
Um clube profissional poderia ter ações em bolsa como a Juventus, poderia ter um grupo de acionistas fortes como o Bayern de Munich, ou pode mesmo ter um único dono como o Manchester City (foto), ou mesmo ser uma Associação. Na Europa, não no Brasil. Pois não importa, desde que a gestão profissional e técnica seja feita a partir de metas claras de desempenho esportivo e financeiro, por gestores que sejam cobrados, mas tenham tempo e um planejamento a ser colocado em prática, como é em qualquer empresa. Com uma postura política, clubes-associações no Brasil tem enorme dificuldade em manter este posicionamento a cada eleição.
O fundamental é uma mudança na estrutura atual de gestão e societária dos clubes, que leve a um cenário no qual os acionistas – sócios e conselheiros quatrocentões – deveriam ser representados num Conselho de Administração, e não se reunir na sauna ou nas quadras de tênis para deliberar sobre a contratação de um novo treinador.
Parabéns ao autor e ao NO ÂNGULO por essa “trilogia”. Vocês deveriam encartá-la e mandar um exemplar para todos os dirigentes de futebol do País.
DO JEITO QUE SÃO, DARIAM DE OMBROS. PARA ELES, MANTER O STATUS QUO É INTERESSANTE, JÁ QUE SÓ PENSAM NOS PRÓPRIOS INTERESSES.
COMO SEMPRE, EXCELENTE!
Cesar Grafietti, além de todas as aulas que você dá no assunto, acho tão importante esse papel que você vem cumprindo de chamar a atenção para o absurdo que é a gestão amadora de organizações com faturamento de centenas de milhões de reais, independentemente de qual seja a figura jurídica.
Aqui acabamos atrelando muito a administração à figura jurídica, como se fosse justificável que qualquer organização com essa relevância e geração de riqueza “pudessem” ser amadoras.
Pensando rápido, acho que isso só acontece mesmo no futebol, nem em empresas públicas chega a esse nível, não?
Outro texto com profundidade menor que a de um pires. Sério mesmo que o autor acha que é a forma de associação civil a causa da ruína do futebol brasileiro (diria até sul-americano)? Terminar de transformar os clubes em empresas só vai piorar a situação do futebol, não só nacional, mas mundial. Por causa da degeneração dessa já histórica expressão cultural popular, que é o futebol, em negócio, que cada vez mais a qualidade técnica da prática em si do esporte cai, assim como do espetáculo, por mais que a visibilidade e os confetes de espetacularização dos bastidores só tenham aumentado.
O texto separa técnica de política como se as formas de gestão dos clubes europeus também não fosse política. Por acaso não existe impacto nos conflitos sociais da contemporaneidade o controle dos clubes de futebol por megacorporações como a Bayern e investidores obscurantistas que muitas vezes trazem indícios de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e até interferência em decisões de interesse público dos Estados Nacionais, quando não movimentam toda uma cadeia de exploração do trabalho em todo o mundo (dizem que o Neymar “se pagou” na compra de seu passe pelo PSG, por causa da quantidade de camisas do clube vendidas com seu nome, mas se não fosse os milhões de trabalhadores hiper explorados mundo a fora para produzir esse material, o que teria para vender com o nome do Neymar)?
O que acontece com o futebol sul-americano é que o esporte futebol foi levado para uma lógica na qual os países coloniais, como os do nosso continente, sempre vão estar perdendo, que é a lógica da mercadoria, da mercantilização de toda a vida social. Como os clubes sul-americanos vão competir, como empresas, com os clubes-empresa de países que ficaram ricos na base de séculos da rapina, da extorsão, da rapina, genocídio, escravidão e pilhagem das riquezas e dos povos de nossos países, ainda mais sem a proteção das instituições reguladoras do esporte e dos Estados desse continente que nem projeto de desenvolvimento nacional possuem? Vejam que até os clubes sul-americanos com maior eficiência administrativa, tanto sua quanto das empresas que lhe cercam, como o Palmeiras, não tem nenhuma condição de competir com os principais times europeus. Tudo bem que o time palestrino ainda está com o tipo de formação societária de associação civil gerida por uma burocracia representativa, porém, é uma empresa que está nessa burocracia e que tem lucrado muito com o Palmeiras – portanto, que tem uma gestão substancialmente “técnica” -, mas sem perspectiva nenhuma de dar um salto qualitativo considerável na sua capacidade futebolística para competir com os campeões europeus. E o que tem de diferente desse Palmeiras da Crefisa que não assusta ninguém fora do continente para o Palmeiras da Parmalat que ganhava quase tudo e podia disputar de igual para igual com qualquer europeu da época? É a continuidades da burocracia “abnegada” que “é política e não técnica”? Então a questão é que a realidade do futebol mudou e só os clubes europeus acompanharam essa mudança por isso só eles são bem sucedidos? Muito frágil essa tese, não acha?
Enfim, o problema desse viés microeconômico neoliberal para a discussão do futebol é que utilizam as relações de produção pré-capitalistas da semifeudalidade sul-americana, decorrente da nossa história colonial que impediu nos de ter uma revolução industrial democrático-burguesa, que nos daria as condições de um capitalismo avançado e assim condições de competir internacionalmente, como um espantalho para advogarem a entrega de nossas riquezas, materiais e culturais, para a livre concorrência com a dita técnica corporativa sem termos as mínimas condições de competir, apenas entregando o que é nosso de mão beijada.
Não precisamos trocar nossos senhores feudais por “gestores profissionais” e sim a participação direta dos torcedores em massa nas decisões dos clubes.
Obrigado pelo comentário.
Mas, para facilitar o entendimento, pego o último parágrafo, onde você diz que a solução é mais presença do torcedor nas decisões dos clubes. Dois exemplos que mostram que o torcedor, como entidade, não parece apresentar o melhor discernimento: Kaká saiu do SPFC chamado de pipoqueiro para ser o melhor do mundo; a mesma torcida pediu Luxemburgo no comando técnico do time.
Certamente haverá exemplos de todos os clubes, como quando torcedores apelam para a violência para intimidar atletas.
No mais, sem profissionalização e afastamento dos cartolas não haverá mudança para melhor no futebol. Os interesses e incentivos do modelo atual jogam contra qualquer resultado positivo.
Uma pressão de torcedores desorganizados não são comparáveis à uma estrutura organizativa de decisões coletivas diretas, como assembléias feitas pelas massas. Seria um modelo mais parecido com o que foi a democracia corintiana.
Os torcedores podem ser acionistas e ter representatividade no Conselho de Administração.
Na democracia corintiano não existia poder do torcedor, e ela era, na prática, poder de um grupo de atletas. Basta lembrar que o goleiro Leão já disse em várias entrevistas que não fazia parte do grupo mandante.
A comparação com a democracia corintiana foi sobre a estrutura organizativa de participação coletiva nas decisões e não pelo fato de ter torcedores ou não nas decisões, ou seja, aquela estrutura tinha potencial de ser estendida aos torcedores.
E essa participação tem de ser feita via centralismo democrático e não via propriedade privada de cada torcedor sobre uma dada parte do clube, na forma de ações, pois isso geraria desigualdades no poder de decisão conforme a capacidade de investimento individual de cada um nas ações.
Kkkkkkkkk, o povo adora BBB, o povo elege o Trump e quer votar em Lula ou Bolsonaro e pra esse tal de Vinicius Bessi é esse povo que tem que decidiri diretamente o rumo dos clubes kkkkkkkkkkk!!!!!!! Aí sim é que a gente vai perder jogador até pro Peru e pra Uganda kkkkkkkkkkkk, piada!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Perfeito Cesar Grafietti, esse é o.ponto central do problema.
A fórmula do fracasso que praticamos por aqui:
Entidades associativas sem fins lucrativos + gestão não profissional (mesmo que remunerada) + entidade setorial que não regula o setor.
Não tem como dar certo.