Créditos da imagem: Montagem / No Ângulo
Eliminado nas oitavas de final da Copa da Rússia, com desempenho muito abaixo do teto (existe teto para seu futebol?). Excluído pela primeira vez, em anos, do Top 3 das premiações individuais. Condenado a um eterno senão, toda vez que o comparassem a Pelé e Maradona, por não ter feito História gloriosa em Copas do Mundo. Perseguido por estigmas como “não se identifica com sua própria gente” e “escravo das entrelinhas”. Como sair de um momento negativo (e aparentemente irreversível, em termos de seleção) para conquistar o que faltava?
Não há uma receita. Só um longo trabalho, inclusive para superar novos reveses – alguns inacreditáveis. Esta coluna procurará mostrar cada passo, para frente e para trás, na moldagem do capitão, melhor jogador e campeão da provável última grande Copa do Mundo (em qualidade, não número de participantes). Assim foi o tango-saga de Lionel Messi:
1 – a volta triunfal (pero no mucho) – como esperado em competidores, Léo se isolou após a derrota, descansou bem e voltou disposto a mergulhar na retomada do Barcelona rumo a outra “orelhuda”. Foram partidas espetaculares em La Liga e na Champions League, culminando com os dois gols na primeira partida (3 a 0) contra o Liverpool. A presença na final só não viria se houvesse uma tragédia. E como houve. Repetindo 2018, o Barcelona não resistiu a uma operação abafa e saiu da Inglaterra com seu maior vexame (até então). Mais uma vez, o talento de Messi havia compensado deficiências técnicas, físicas e táticas dos culés, mas não até o fim. Restou o consolo do campeonato espanhol e dos números excepcionais.
2 – ergue-se um argentino – a Copa América de 2019 começou com a Argentina em péssimo astral, assim como seu camisa 10 – ainda mais depois do tombo pelo Barça. O novato treinador Scaloni só estava lá porque não tinham dinheiro para pagar outro. Aos trancos e barrancos, chegaram à semifinal contra o Brasil sem maiores expectativas. O resultado foi negativo (2 a 0), mas o futebol surpreendeu. A Argentina teve mais a bola, criou chances e Messi frequentemente escapou dos cercos. Mais que o terceiro lugar (finalmente batendo o Chile), chamou a atenção o temperamento “maradônico” do capitão, até reclamando asperamente da arbitragem. O público argentino, mesmo com mais um ano sem ganhar nada, comprou a nova imagem. Não se arrependeria.
3 – reverso de conforto – a partir daquela Copa América, teríamos um cenário inusitado. Lionel Messi estava mais à vontade na seleção argentina, com Scaloni conseguindo o que os antecessores não obtinham, que no clube-casa. As confusões da gestão escusa do presidente Bartomeu já estavam afetando a equipe. Nem outro início brilhante de Messi e a pausa da pandemia evitaram o que se desenhava. Na volta, as quartas de final da UCL transformariam a eliminação para o Liverpool numa “derrotazinha”. 8 a 2 para o Bayern e a implosão moral de um plantel envelhecido. A ponto de Messi exercer a cláusula contratual que lhe permitia sair sem multa. Porém, filigranas jurídicas e o receio de sair em litígio o fizeram ficar. Ao menos uma boa notícia: novos escândalos forçaram o desafeto Bartomeu a renunciar.
4 – a primeira conquista – depois de uma temporada ainda mais tortuosa pelo Barcelona, Messi retomou o foco na seleção argentina para tentar, antes da Copa do Mundo, tirar a pressão por quase trinta anos sem levar nem Torneio Início. Ainda não havia um desempenho coletivo regular, alternando momentos de controle com bolas rifadas. Mas as disputas foram sendo superadas, incluindo o brilho do goleiro Martinez na disputa de pênaltis na semifinal (um bom prenúncio). Na decisão, Di Maria aproveitou o buraco do lado esquerdo brasileiro. Após um segundo tempo que mais pareceu rúgbi, foi-se o tabu – e logo no Maracanã. Messi não fez grande coisa naquela noite, mas um cofre saiu de suas costas. Faltava tirar uma baleia azul. De todo modo, a Argentina teve um salto qualitativo. A ideia de disputar 2022 pra valer já não era absurda como em 2018.
5 – o tombo na Catalunha – parecia tudo tranquilo para uma nova temporada no Barcelona em reconstrução. O contrato novo era anunciado como iminente, na linha do “só falta assinar”. Eis que, abruptamente, o clube anuncia a despedida do maior de sua História. As normas do Fair Play Financeiro em La Liga tornavam inviável o novo vínculo – mesmo com o jogador abrindo mão de muito dinheiro. Messi correu riscos efetivos de não ter um clube grande para jogar, a um ano e meio da Copa. Para um atleta com sua idade, isso faria toda a diferença. Basta ver o ponto em comum entre Modric, Benzema, Lewandowski e outros poucos em alto nível depois dos 33. Todos atuam em equipes de primeira prateleira. Quem sai dela despenca.
6 – dias (muito) frios em Paris – talvez mais por interesse de marketing (ter os melhores do mundo em seu plantel antes da Copa do Catar, “propriedade” do dono), o PSG bancou a contratação de Messi para atuar com Neymar e Mbappé. As expectativas imediatas eram de que o trio daria shows. Seria tão simples se fosse tão simples. Messi chegou sem pré-temporada, passou por problemas físicos (assim como Neymar) e ainda sentiu as sequelas da Covid-19. O que seria apoteose virou melancolia e ninguém foi piedoso com seu desempenho. Naturalmente, logo vieram fofocas de que não estava se adaptando ao clima e ao ambiente da capital francesa. Não foi de espantar, assim, que ficou fora até do Top 20 da Bola de Ouro. E o Catar era logo ali.
7 – pé na massa – nas partidas finais da temporada francesa, Messi dava sinais de recuperação física e técnica. Fechou junho em Wembley, levando a Argentina ao segundo título seguido – 3 a 0 contra a campeã europeia Itália, pela Finalíssima. Cumpriu à risca o protocolo para começar 2022/2023 em forma. Relaxamento nas férias, dedicação na pré-temporada e estava pronto. Na primeira metade comprimida da temporada, já marcou mais gols e deu mais assistências que em toda a anterior. O trio ofensivo, a despeito dos rumores de mau relacionamento (envolvendo Mbappé, seu futuro rival na decisão), mostrou entrosamento e muito repertório.

Tornozelo de Messi antes da estreia (Fotos: Seleção da Argentina e Reprodução)
8 – jogo escondido e quase perdido – às vésperas da Copa, com diversos jogadores se lesionando e sentindo alguns problemas, Messi baixou a rotação para não colocar tudo a perder. O que ninguém esperava é que precisasse acionar o turbo na estreia conta os sauditas. Surpreendido e sentindo efeitos do calor, Messi esteve impotente no desastroso segundo tempo e preocupou de novo. Um dia antes da derrota, uma foto do tornozelo inchado assustou. O pesadelo foi superado quando os “mortos” (palavra do próprio Messi) venceram o México com o camisa 10 mandando a crise para as redes.
9 – a marca da cal (e da zica) – em meio aos altos e baixos destes quatro anos, se havia um ponto em que o craque argentino não passava firmeza era cobrando pênalti. Inclusive, perdeu cobranças importantes na Champions de 2021 (contra o PSG) e na seguinte (logo contra o Real Madrid). A batida desperdiçada contra a Polônia parece ter sido o último alarme. Concentrado e variando muito as execuções, Messi resolveu a última pendência para a redenção. O resto foi com o “DEZtino”.