Créditos da imagem: Montagem / No Ângulo
Enfim a Premier League chegou. Atingiu nesta temporada o ápice de desempenho dos seus clubes em competições continentais fazendo as duas finais, de Champions League e Europa League.
Era algo que todos esperavam e muitos se perguntavam o motivo da liga mais rica do mundo, que tem a maior quantidade de times de ponta e mesmo os menores conseguem montar equipes fortes, encontrar dificuldades nas competições continentais, destacadamente a Champions League.
Nem tanto, nem tão pouco. Nem os clubes da Premier League sempre foram um fraco, nem o feito desta temporada é algo desprezível. Mas para seguir a análise faremos uma pausa e traremos alguns momentos da história.
Tomando a história mais recente, de 2000 para cá – período de início da consolidação das mudanças surgidas com a “Lei” Bosman – temos os seguintes finalistas de Champions League (UCL daqui para frente):
Note que nós temos comportamentos bem claros. Primeiro, e me parece meio intuitivo, é que nas últimas 20 finais nós tivemos ampla predominância de clubes de 4 países: Espanha, Inglaterra, Itália e Alemanha. As únicas presenças de intrusos foram numa final, quando jogaram Monaco e Porto, França e Portugal respectivamente.
Ou seja, as 4 ligas mais ricas dominam amplamente o cenário histórico da UCL. Por países, temos o seguinte:
Se analisarmos com detalhe por clube, temos o seguinte cenário:
Tomando como referência clubes que tenham participado de pelo menos 3 finais, veja que temos alguns momentos cíclicos, como o Real Madrid de início de anos 2000 e depois retornando mais recentemente. Enquanto isso o Milan e o United eram recorrentes no período intermediário, assim como Barcelona. Repare no Liverpool, que teve momento de presença nas finais de meio da década passada e retorna agora, forte novamente.
Ou seja, há certo movimento cíclico, e se fizermos uma análise mais detalhada do perfil dos clubes, veremos que 83% dos finalistas estão concentrados em 10 clubes apenas com pelo menos duas finais, e 68% com clubes com pelo menos 3 finais:
Ou seja, há uma concentração enorme de finalistas, e nessa concentração claramente o destaque são a dupla espanhola com 25% das posições de finalistas.
Se expandirmos a análise para a Europa League, o cenário é diferente. Trata-se de uma competição mais democrática, que teve 14 finalistas em 20 possíveis nos últimos 10 anos, com predominância de espanhóis, com 7 finalistas.
E mesmo nessa competição nós tivemos nesses últimos 10 anos conquistas de Atlético Madrid, Chelsea e Manchester United, que fazem parte da seleta lista de finalistas da UCL apresentada acima. Ou seja, não é uma novidade encontrarmos Arsenal e Chelsea na disputa. Mesmo o Liverpool fez final em 2016 e o Arsenal foi campeão em 2000.
Voltando então ao tema inicial, que são as duas finais protagonizadas por ingleses.
Vimos que a UCL tem seus ciclos. Os Ingleses da Premier League estiveram fortes no final da década de 00, mas lembre o estilo que predominava. Se já estavam distantes daquele tradicional “Chutão & Cruzamento”, que só alguns desavisados que deixaram de ver futebol na década de 80 ainda veem assim, era um futebol de velocidade e força. O Liverpool de 200 e 2007 tinha Gerrad e Alonso, mas tinha Crouch e Morientes. Era um time de muita presença física, enquanto o Manchester United tinha CR7, Tevez, Rooney e uma série de jogadores de força.
Nesse período havia muitos britânicos nas equipes e havia esta predominância da força em contraponto aos italianos (especialmente o Milan) e espanhóis (os Galacticos do Madrid), que tinham força mas talentos espalhados pelo campo.
E os clubes da Premier League forma perdendo encanto à medida em que treinadores como Guardiola apresentavam resultados técnicos agradáveis. Logo perderam relevância e espaço na Europa. A última final com presença de inglês antes do Liverpool no ano passado foi 2011/12 com o Chelsea enfrentando e vencendo o Bayern num jogo absolutamente improvável. Um time com veteranos como Anelka, Drogba, Torres, treinado pelo sub-Mourinho Villas-Boas. E depois disso o futebol inglês desapareceu. Foi o momento em que uma transição cultural se iniciava: o fim da era da força e o início da busca pela excelência do jogo.
Os times ingleses começaram a contratar jovens talentos. Atletas de maior capacidade técnica e que pudessem transformar o jogo. Não bastava o dinheiro para contratar estrelas, era preciso que essas estrelas jogassem bem, transformando a Premier League na Broadway do Futebol.
Para representar essa mudança, veja o comportamento das receitas das principais ligas europeias:
Se a Premier League já era a mais valiosa, o salto observado em 12/13, um ano após o título do Chelsea, é o indicativo de que havia sinais de mudança. Mais dinheiro, uma mentalidade mais globalizada e futebol de mais qualidade.
A visão empresarial da liga e seus membros possibilitou uma mudança radical na cultura de jogo. As partidas, que eram tradicionalmente eletrizantes e um tanto caóticas – a bola que não para nunca, mas com jogos nem sempre plásticos e agradáveis – deu lugar a partidas que mesclam força, velocidade, talento, técnica e tática. A importação dos itens que caracterizam as demais escolas europeias. E aqui uma nova pausa para falarmos das demais ligas.
La Liga depene muito de Barcelona e Real Madrid. O time catalão tem uma cultura futebolística definida, clara e aparentemente imutável. Tanto que desde a saída de Guardiola praticamente sempre foi pela escolha de alguém da casa, para garantir a estrutura técnico-tática. Mas o futebol foi mudando e ainda que o Barcelona tenha apresentado bons times, e ainda tenha “apenas” Messi, seu jeito de jogar já é conhecido. Não é à toa que mesmo com toda a qualidade participou de duas finais nos últimos 10 anos.
Já o Real Madrid é mais globalizado e aparentemente mais ágil nas soluções. Monta elencos estelares, aposta em treinadores que jogam futebol moderno, e quando erra resolve rápido, como vimos nesse ano.
A Bundesliga é a Alemanha tradicional. Depois das saídas de Guardiola e Klopp os clubes voltaram a adotar um estilo alemão de jogo. Não o dos tanques das décadas de 80 e 90, mas times mais velozes, ainda que mais “controlados” taticamente. As mudanças promovidas por ambos treinadores geraram um salto, mas que não tiveram continuidade.
Já a Seria A italiana parece realmente ter parado na década de 90. Muita tática, muito empenho, mas times que ainda jogam com centroavantes fixos na área e atletas que parecem só fazer o que está desenhado na prancheta. As poucas vezes em que saíram disso foi com a Juventus recentemente. Mas ainda assim, mesmo com CR7 chegando o melhor time italiano tem pouca mobilidade. Os demais ainda tem seus treinadores italianos adeptos da mesma forma de jogo. Os jornais cobram modernidade, mas mudar num país amarrado às suas tradições é muito difícil.
Voltando, novamente.
Enquanto a Premier League e seus clubes encontraram o caminho para o futuro, as demais ligas insistem em repetir o mesmo roteiro. E claro que essa mudança levou algum tempo. Mudar cultura é algo que demanda vontade inicial, capital humano qualificado em todas as esferas, e tempo.
Chegaram Klopp, Guardiola, Pochettino e permanecem há algum tempo. United deixou Fergunson mas insistiu em ideias antigas com Van Gaal e Mourinho, enquanto o Arsenal deixou Wenger e ainda procura seu melhor jogo. E o Chelsea foi buscar o único treinador italiano que enxerga o futebol fora da Bota, que é Sarri. Com essas mudanças, mais a chegada de atletas de boa qualidade técnica e juventude, e um planejamento feito pela FA (Federação Inglesa), que revitalizou as categorias de base e hoje a qualidade dos ingleses reconhecida, inclusive com uma seleção de enorme potencial.
O texto ficou longo, mas mostra que a visão de que o futebol é negócio é a única saída. Se os clubes ingleses manterão o sucesso atual fora da ilha nas próximas temporadas, não sabemos. Mas sabemos que além dos 4 finalistas ainda há um Manchester City sedento por conquistas, um United querendo retomar o rumo. Se os demais gigantes permanecerem dormindo em seus berços esplêndidos, serão os maiores vencedores de campeonatos nacionais e deixarão que o mundo se encante com os clubes da Premier League. Que mostra que não basta ter dinheiro, é preciso saber usá-lo. Ou se tornará apenas um bilionário excêntrico.