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Existem algumas formas em se lidar com problemas. Usualmente as pessoas optam por escolher alternativas que os encubram, esperando que desapareçam como que por mágica. Ou eventualmente, que todos se esqueçam deles, afinal, a vida é dinâmica e com o surgimento de novos problemas os velhos ficam velhos mesmo, e podem ser guardados num canto da memória, sem solução.
Na verdade, isto é só uma forma de acumularmos os problemas. A vida costuma ser mais cruel do que gostaríamos, e não desiste de tirar aquele problema bem guardado num canto do armário e coloca-lo bem em nossa frente.
Como as pessoas são assim, elas acabam transferindo esse hábito para seus negócios. E quando se trata de futebol isso é uma característica bastante comum. Aliás, é bem possível que os dirigentes acumuladores sejam em suas vidas pessoas bem resolvidas e práticas. Mas, sabe como é, futebol é resultado, então é melhor deixar os problemas e celebrar as conquistas.
No campo da gestão esportiva há inúmeros exemplos relativos a esta capacidade de esconder e deixar que os problemas ressurjam nas mãos do próximo presidente. Nesta coluna abordarei a relação entre Sócio, Sócio Torcedor e Acionista num clube de futebol. Os dois primeiros são bem conhecidos e o terceiro é só uma ilusão de ótica, por enquanto.
Quando falamos de finanças em clubes de futebol os dirigentes só têm olhos para as receitas. Buscam de forma insistente aumentar as receitas de todas as formas, ignorando que toda gestão de qualidade deve olhar primeiro para as linhas de custos e despesas. Naturalmente, pois num clube os custos costumam estar dados e são de longo prazo, enquanto a maior parte das receitas é incerta.
É muito comum que dirigentes e profissionais de marketing queiram explorar a relação do clube com seu torcedor, além da venda de camisas – conforme já mostrei em outras análise, os valores envolvidos são baixos e não ajudam “a comprar o Neymar ou o CR7” – e da bilheteria, que são as mais óbvias. Há alguns anos surgiu a ótima ideia dos programas de Sócios Torcedores, que tentavam fidelizar ainda mais um cliente cativo. No fundo, foi uma forma encontrada para substituir o conceito de “season ticket” europeu.
Um parêntese importante: os profissionais de marketing gostam de chamar torcedor de cliente ou consumidor. Minha visão é de que são bem mais que isso; são acionistas. Não no sentido clássico, mas no sentido de que são os responsáveis pela existência dos clubes, assim como voltam sempre, mesmo quando maltratados em estádios ruins, quando os dirigentes montam times ruins. Ele está sempre lá. O futebol não pode ter M&A (Fusões & Aquisições em inglês), o que significa que um torcedor será sempre de um time, não pode ser comprado como uma carteira de clientes. Mas os clubes preferem trata-los como clientes, perdendo a oportunidade de entende-los e dar-lhes algo além de chaveiros e canetas.
Voltando, como o modelo de Sócio Torcedor está num momento de exaustão, pois no fundo virou apenas uma forma de vender preferência na compra de ingressos, muitos dirigentes resolveram dar um pouco mais a este sofrido cliente. Normalmente isso acontece quando a adesão e o número de membros cai. Então criaram o “Sócio Torcedor Votante”, que é algo entre o Sócio Torcedor tradicional e o Sócio do Clube, aquele que pagou o título e paga suas mensalidades. Desta forma, resolveram dar voz à arquibancada.
Populismo puro.
Um modelo de governança bem feito jamais daria direito a voto a quem paga por isso em 12 vezes sem juros. Há uma diferença enorme de responsabilidade de comprometimento entre quem pagou caro e ajudou a construir o clube e quem paga mensalmente uma quantia que ajuda a fechar um fluxo de caixa deficitário. Fluxo de caixa se fecha com controle de custos e receitas estruturais, não com receitas de ocasião que servem para dar voz a quem pode deixar de pagar no mês seguinte às eleições.
E aqui começam algumas separações que precisam ficar claras: torcedor é mais que cliente, tem jeito de acionista, mas ainda assim é torcedor; sócio pode não ser a figura mais capacitada para tomar decisões mas ainda assim aportou recursos para estar nesse lugar, pois comprou um pedaço do clube, que é mais que futebol em termos patrimoniais; não, o futebol não é uma entidade filantrópica; por fim, para resolver essas questões a solução é transformar a atividade Futebol em empresa e abrir a possibilidade de que os torcedores se transformem em sócios, aportando dinheiro na nova sociedade e assim podendo opinar através das estruturais de governança, como Conselho Administrativo. Assim, quem quiser ser sócio de piscina e quadra de tênis, ok também.
Há formas mais eficientes e justas de se fazer do futebol uma atividade que beneficie as diversas camadas sociais de um país. Geralmente isso significa parte dos ingressos a preços populares, equipamentos (uniformes e camisas) com preços compatíveis com a renda do torcedor, relacionamento próximo entre atletas e torcedores, mas não direito a votar apenas porque é torcedor. Não é porque há 100 mil inscritos que a decisão será melhor, vide as eleições que temos a cada 2 anos para cargos políticos de Estado.
Isto não significa que o torcedor não deva ser ouvido, e por isso fiz o parêntese acima. Precisa e muito, mas através de relacionamento, acompanhamento de suas observações, opiniões. Os dirigentes precisam entender o que os torcedores pensam, como eles veem e formam a cultura esportiva de seu clube, e não necessariamente recebendo e computando votos.
Num modelo de gestão e controle profissionais e independentes, o ideal seria termos o clube social como participante e uma série de acionistas formando duas bases distintas: uma formada por acionistas relevantes e que pudessem dar o “tom” de como o clube deve caminhar, e podem ser pessoas físicas ou jurídicas; outra deve ser formada por base pulverizada e que representem os sócios. Um exemplo bem simplório de numerologia seria o seguinte:
• Clube Social – 40%
• Grandes Acionistas com participação individual máxima de 10% – 35%
• Acionistas pulverizados com participação máxima de 5% – 25%
A partir daí dá para fazer uma série de regras para manter algumas decisões nas mãos do Clube Social, bem como garantir participação de todas as esferas no Conselho de Administração. Mas daí é possível que o torcedor participe sendo sócio e não pagando mensalidade.
O futebol Brasileiro precisa evoluir e os dirigentes devem parar de pensar em soluções que apenas tapam buraco na busca de receitas. Se faz necessário e urgente que haja uma profissionalização real e imediata, ou então assumimos nossa incapacidade, e atuamos como os músicos do Titanic, tocando enquanto o navio afunda.
Eu imagino o Futebol do Flamengo se separando do clube e formando uma empresa que negociaria suas ações na bolsa onde no mínimo o clube ficaria com 30% e no máximo 49% das ações sendo o restante pulverizadas com a proibição de uma pessoa física ou jurídica não ter mais de 10% dessas ações.