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Bom mesmo é fazer tudo errado?
Como era de se esperar, as quedas de Espanha e Alemanha estão sendo usadas de forma mais oportunista que oportuna. Ter os germânicos fora representaria a “prova” de que essa conversa de organização é bobagem. Os espanhóis eliminados mostrariam que ter mais posse de bola é apenas um futebol “frufru”. Como se ambos tivessem tomado decisões de planejamento e tática corretas para a competição e só tivesse faltado jogar bola. Não foi bem assim e, no caso espanhol, esta coluna inclusive antecipou o fracasso antes do primeiro jogo. De forma incrivelmente varzeana, a começar pela atitude de técnico e clube, os espanhóis praticamente abriram mão do segundo título. Se ganhassem, seria uma aberração.
O curioso é que, quando estas mesmas armas (planejamento e posse de bola) são usadas pelos brasileiros, a mesma turminha não se furta a exaltá-las. E está certa quando o faz. Tanto organização é importante que a única Copa que Pelé não venceu, em 1966, foi um desastre logístico e lógico. Não apenas pelas pressões que levaram uma multidão de pré-convocados à Inglaterra, como pela mudança no comando da delegação. Talvez querendo aparecer para o mundo, o presidente da CBD (João Havelange) abriu mão de Paulo Machado de Carvalho. Deu tudo tão certo que Pelé ameaçou não jogar mais pela seleção. Felizmente, ele ficou e o planejamento para 1970 foi muito melhor. Mesmo a demissão de João Saldanha veio em tempo suficiente para Zagallo conhecer e até aprimorar a equipe – já que o antecessor era mais um jornalista – muito – conhecedor de bola que um técnico.
Organização sozinha não ganha Copa, até porque outros também se organizam. Já a falta dela perde campeonatos bastante tangíveis, como a seleção sentiu na pele em outras ocasiões. Como em 1950, com atletas precisando comparecer a eventos até políticos antes do jogo decisivo com o Uruguai. Como em 1986, que conto na série de lembranças (a última já foi enviada e deve sair até o fim da Copa). Em 1990, por trás de uma aparente tranquilidade, declarações de Renato Gaúcho e da noiva do goleiro Taffarel mostravam haver conflitos internos mal geridos. Em 2006, era só ver a farra na concentração, ao vivo e em cores, para constatar que estavam confiando demais no grande futebol dos chamados. Nem todas as Copas que o Brasil perdeu se deveram ao fator zona. Mas que este comprometeu chances de pelo menos duas conquistas, só não vê quem exagerou no chope.
O mesmo vale para a posse de bola. Embora não fosse um dogma, sempre teve mais a ver com o estilo brasileiro que com o argentino, por exemplo. Abrir mão dela é um fenômeno mais recente, que coincide com a troca de meio-campistas por segundos volantes que conduzem a bola. O futebol também ficou mais corrido e, de fato, a ideia de tomar a bola e chegar ao gol em poucos toques, contra um adversário desguarnecido, tornou-se mais interessante aqui e lá fora. Isso até os chatos de galocha chegarem para atrapalhar a vida dos treinadores de defesa, contragolpe e bola parada – tidos como os melhores. Primeiro foi a seleção espanhola na Euro-2008. Depois o Barcelona de Guardiola. Sim, cronologicamente a ordem é essa. Este último ainda tinha a vantagem de possuir Messi, uma flecha envenenada que verticalizava o jogo rodado em segundos.
A Espanha pode não ter sido mais a mesma (ainda mais com a bagunça desta Copa). O impacto do Barcelona também não. Mas a lição quanto à posse de bola ficou. O próprio Real Madrid só não fica mais com ela quando enfrenta o próprio Barça, e não por falta de vontade. Tanto que os catalães, mesmo ficando para trás nas conquistas continentais, ainda são os únicos que levam vantagem no confronto direto com madridistas. Não existe nada de errado em ter a bola. O erro, pois sim, é achar que isso resolve tudo. São dois os pontos que tornam essa posse inútil: 1 – sempre recuperar a bola muito atrás, com o adversário tendo tempo para se fechar; 2 – não ter jogadas incisivas no repertório de ataque, carência que deixa o ataque parecido com moscas em torno do açúcar. São defeitos comuns a todas as equipes usadas como exemplo pelos “haters”. Não culpem a ideia. Recriminem a execução.
Portanto, caros leitores, a equipe que se organiza, tem a bola e sabe agredir será, normalmente, uma das favoritas. Não necessariamente a maior favorita, mas estará no rol e só não irá longe em caso de tragédia. Não foi o que se viu nem com Alemanha, nem com Espanha. A organização extracampo da primeira foi OK, mas as decisões de Low não deram conta da difícil tarefa de renovar um vencedor – abordada anteriormente. A Espanha dispensa comentários adicionais. Numa peculiaridade dessas, lançar o catado de Hierro como carro-chefe de um libelo anti-posse não é argumento. É desonestidade intelectual de quem, podem acreditar, não dá a mínima pra hora do Brasil.
Gustavo Fernandes, com Lopetegui a história teria sido outra? Você previu e acertou que a Espanha não iria longe, por isso a pergunta (zero capciosa). O que você efetivamente viu de errado com o Hierro que, com o Lopetegui, possivelmente teria sido diferente?
O ponto é o que eu e todos não vimos. A Espanha que esteve em campo não lembrou em nada a equipe segura de si, que sabia por que estava tocando, que se viu nas partidas com Lopetegui. Não há equipe do mundo, por melhor que seja, que dispense treinador. Até o Drream Team precisou de um.
Sei que não é comigo, porém acho que vale mais um ponto de vista. Com Hierro assumindo às pressas, não teve tempo hábil de passar aos jogadores a sua filosofia de trabalho, nem de conhecer a fundo seus comandados. Hoje o futebol evoluiu muito, não basta ter os melhores, é preciso saber organizar. Argentina é um belo exemplo de desorganização. Não acredito que o Lopetegui mudaria a desclassificação da Furia, porém não seria da forma apática que foi.
Diego Honório da Silva O trabalho de Hierro se resume a um clube de série B, sem sucesso. Partiu para outra justamente por não levar jeito.
Raphael Laruccia
Não é dizer que está errado, é saber valorizar o que é feito por aqui também, não apenas babar ovo de europeu, trabalho brasileiro também é muito bom