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Seleção e Copa América – o útil contra o desagradável
Trinta anos depois, o Brasil volta a sediar a Copa América, torneio que nunca deixou de vencer em casa. Será a segunda competição do técnico Tite. Eliminatórias, obviamente, fazem parte da Copa do Mundo passada – e perdida. Desde a derrota para os belgas, o prestígio do treinador sofreu abalos. Sua capacidade de admitir erros parece mais da boca pra fora, porque volta e meia insiste com o que não funcionou. Em meio a idas e vindas, Tite sabe que precisa de um título. Sem desculpas. Mesmo sem Neymar. Uma conquista brasileira, assim, teria duas utilidades: assegurar seu emprego e achar um meio de vencer sem o camisa 10. Mas seguirá faltando a utilidade que pesou em 2018 – bagagem contra seleções da Europa.
Mesmo as utilidades, registre-se, podem ser discutíveis. A última edição vencida pelo Brasil teve o comando de Dunga, com desfalques dos melhores da época. Esgotado e no início de problema físico que se agravaria depois, Kaká pediu dispensa. Ronaldinho Gaúcho, ainda titular absoluto, também (tal como Kaká, atuara na Copa das Confederações de 2005 e na Copa do Mundo da Alemanha). Aos trancos e barrancos, a seleção surpreendeu a Argentina completa na final. Kaká foi substituído pelo ex-colega de tricolor Júlio Baptista, que também teria boas atuações quando o titular, eventualmente, não pôde atuar nas Eliminatórias. Foi basicamente por isso que outros não foram cogitados para a África. E, basicamente por isso, Dunga se viu obrigado a sacrificar Kaká. A solução contra sul-americanos foi nula contra Portugal. Júlio não entrou mais.
Esta lembrança indica que a questão do substituto é menos importante que ajustar um sistema em que o importante não seja imprescindível (segundo o Aurélio, não o Adenor). Algo que aflige todas as seleções sul-americanas. Já falamos muito de Argentina e Messi, mas o Uruguai se resumiu à garra surrada sem Cavani. A Colômbia, a despeito da distância percorrida na Rússia, desfigurou-se sem James Rodríguez. Transformar o craque em plus de um time forte é algo que, em tese, o Brasil tem mais condições de fazer. Contudo, não é o caminho que Tite vinha adotando. Nas poucas oportunidades em que atuou desde a Copa, Neymar seguiu buscando a onipresença. Arma, dá o último passe e finaliza. Tudo com a chancela do treinador. Para torneios disputados em fim de temporada, não há melhor receita para o duplo fracasso: do time e do superprotagonista – normalmente rebatizado de superfiasco.
Não estou defendendo que precisamos de uma escalação em que cada um faz só uma coisa. Seria a outra face da moeda tacanha. Por conta desta mentalidade de especialistas, um time brasileiro padrão precisa de 15 jogadores para aquilo que outros fazem com 11. É positivo ter um centroavante com visão de jogo. Ou um atacante aberto que se vire na área. Ou um volante capaz de rodar a bola, bem como um armador com repentes de meia-atacante. É o meio-termo que gera as melhores equipes. Caso o técnico consiga montar uma seleção sob tais bases, ouso dizer que os escassos confrontos contra europeus serão muito pouco sentidos, se não irrelevantes. Por outro lado, se quiser que o substituto de Neymar seja uma espécie de dublê, com a mesma sobrecarga funcional, minha ousadia se torna ainda mais aguda: será melhor, para o futebol brasileiro, que perca.
No decorrer da competição, saberemos qual foi a o critério das escolhas – um atleta ou um conjunto (como nas taças que floreiam o currículo do técnico). Pressão e competência terão uma interessante disputa em solo doméstico – como em 1989, em que a primeira dominava as ações até o quadrangular final. Caso as opções não sobrevivam até o topo, haverá outra oportunidade, em território estrangeiro, na Copa América de 2020. Restará saber se a oportunidade será dele, Tite, ou de outrem.