Créditos da imagem: Fox Sports
O hashtag acusa!
Nos anos 1990, o pugilista Mike Tyson foi condenado por estupro. Questão racial à parte, grande parte da opinião pública mundial feminina ficou a seu lado, estranhando a suposta vítima ter subido ao quarto de Tyson durante a madrugada. Outros tempos. Fosse hoje, dificilmente o astro teria o benefício da dúvida coletivo. O #metoo espalhou a convicção de que, se a mulher está falando, é verdade. Neste contexto, não é de se admirar que, quase dez anos depois, a modelo Kathryn Myorga traga de volta uma acusação envolvendo outra estrela do esporte. Disse, por seu advogado, que foi justamente esta campanha que a teria encorajado a revelar que, em 2009, Cristiano Ronaldo a teria estuprado.
Contribui para a polêmica uma das estranhas disposições do Direito norte-americano: admitir retiradas de acusações sexuais por meio de “acordos de silêncio.” Estes ajustes, ao serem revelados, tendem a gerar a sensação de que o acusado confessou. Não é nada assim. Num universo jurídico de gordas indenizações por danos morais, somado a potenciais perdas de contratos por maculação de boa imagem, tais acordos são uma espécie de jabuticaba “made in America”. Levar o processo até o final pode resultar em absolvição, ainda que por dúvida razoável. Porém, até lá o estrago na carreira pode ser irreversível. Grandes patrocinadores não perdoam condutas impróprias. Ser flagrado com um baseado ou ser pego traindo a mulher já podem arruinar um contrato bilionário. Crime sexual, nem se fala. Por isso, e não por admissão do delito, os acordos são feitos.
Mas, como dito acima, os tempos mudaram. Há dez anos, o acordo de silêncio também era conveniente para a suposta vítima, já que as chances de perder o processo – e depois pagar altas somas ao réu – eram grandes num processo sem provas. Agora as probabilidades se modificaram. As autoridades investigadoras e juízes, normalmente sujeitos a eleição nos EUA (outra jabuticaba ianque), sentem-se pressionados a dar andamento aos casos. É uma brecha para advogados, cuja fama por lá é bem diferente. Enquanto a advocacia brasileira construiu imagem positiva, parte dos advogados dos EUA é objeto de piadas, sempre em cima de suposta ambição desmedida. Com a perspectiva de ganhos generosos com a discórdia, mais uma opinião pública favorável, romper o acordo de silêncio (alegando coação) e apostar nos jurados vira risco calculado.
Este é o cenário que deve ser visualizado por Cristiano, pelo público e pelos anunciantes. O sensacionalismo já começou, com direito a manchetes no estilo “após acusações, CR7 fica de fora da seleção portuguesa” – algo que já estava combinado. Também temos menções ao fato de a Nike estar atenta ao caso. Isso é óbvio. Nenhuma empresa gasta fortunas num atleta sem acompanhar o que pode denegrir seu valor econômico – consequentemente, o da própria companhia. Mas daí a prejulgar e rescindir o contrato tem um longo caminho. Isto tem ocorrido quando não há dúvida do ato escuso, como o doping da tenista Maria Sharapova. Todavia, se algo já ocorrer neste sentido, será um sinal de pânico geral. A ponto de se recomendar que, doravante, tanto astros como “mortais” se inspirem em Sheldon Cooper e não saiam para a noite sem seus “contratos de sexo” a tiracolo.
Do ponto de vista técnico, não parece improvável que Cristiano Ronaldo seja condenado. Seria impossível, mesmo. Porém, nem sempre o sistema judiciário consagra a técnica. Pessoalmente, penso que para o réu inocente é melhor ser julgado por um juiz, que tem a experiência e o conhecimento técnico para avaliar as provas, que por um corpo de jurados. Nada cinematográfico, porém mais imune a influências extrajurídicas. De todo modo, também há uma ultramaratona para decidir se o caso irá a júri. Até lá, é possível que se chegue a um equilíbrio entre #metoo e “#really????”. Incluir na salada figuras com reputação discreta, como o gajo, pode ajudar nesta dosagem. Direitos devem ser respeitados. Todos eles.
Sensacional o texto, de pleno acordo!