Créditos da imagem: Montagem / No Ângulo
Júlio César e seus generais tinham escravos com única função: falar “lembra que és mortal” em seu ouvido. Uma forma de evitar a influência da soberba nas batalhas. Já no decadente império do Brasileirão, que mistura pandemia com anacronismo, o líder São Paulo aproveitaria bem esta passagem histórica. Não para lembrar que é mortal, pois tricolor imortal é o outro. Mas para dizer, no ouvido do técnico e dos atletas, “lembra o Mirassol”. E também “lembra 2018” – quando a torcida, tão rápido quanto acreditou, caiu do cavalo paraguaio (ou melhor, uruguaio).
É verdade que são situações diferentes. Antes do fatídico vexame no Paulistão, o SPFC vinha sendo glorificado por conta de dois míseros bons jogos. Um time cheio de defeitos crônicos era comparado ao Flamengo de 2019. Era questão de tempo para o choque de realidade se fazer presente. Desta vez, porém, boa parte dos defeitos foi corrigida. A saída de bola espanta ao contar até com atacantes recuando, mas funciona. A lenta recomposição defensiva, maior responsável pelos gols tomados, não dá mais o ar de sua desgraça. Medalhões foram para o banco milionário e a turma de Cotia não tremeu. Também não há semelhança conceitual com o time de Aguirre. Aquele tinha um esquema de museu, sempre prestes a ser anulado. Diniz é o “cientista louco” com algo que nunca foi usado e que, por ora, não está matando o próprio inventor.
Contudo, o campeonato está longe de terminar e concorrentes não faltam. Há dois meses, os técnicos adversários pouco se importavam em compreender o São Paulo. Era como o Fluminense do ano passado, com Ganso até bem no papel que, hoje, é de Daniel Alves. Para que vigilância especial contra um time que sempre perde? O clube do Morumbi vinha nesta toada. Para que gastar tutano contra uma equipe que entrega dois ou três gols por partida? Pois agora os loucos estão vencendo. O recado foi dado e os treinadores já estão com suas pranchetas e tablets. Em 2018, foi o bastante para frear as duas ou três jogadas da equipe – menos ainda, depois da enésima lesão de Everton. O jeito é aumentar o repertório. O terço final, que parecia nunca ser treinado, agora tem tabelas e jogadas ensaiadas. Tudo para retardar a feitura do novo manual antidinizmo.
Ironicamente, a pandemia ajudou a equipe a firmar seus novos nomes, sem terem que passar pelo teste mais árduo: o gordo da cativa. A arquibancada muitas vezes embarcou no “incentivo compulsório”, mas não o gordo da cativa. Ele xinga todo mundo desde a inauguração do estádio. Müller foi mascarado, Raí dinheiro no lixo e Kaká uma boneca. Que fique claro: ele é indispensável num time grande. É quem separa aspirantes de realidades. Mas, especificamente agora, o silêncio permite a Diniz fazer o papel de gordo da cativa em doses mais palatáveis. O popular morde-assopra. Assim Gabriel Sara suportou o mau começo e Igor Gomes, quando o topete permite, voltou a enxergar o jogo. Diego Costa retornou ao banco, mas segurou o rojão por tempo suficiente para Arboleda se reenquadrar. Difícil imaginar este suporte em condições normais. No SPFC ou em qualquer clube.
O céu é de Brigadeiro no São Paulo, inclusive em termos de desfalques por Covid-19. Mas, para uma tempestade paulistana, bastam noventa minutos. Um resultado ruim contra o Botafogo já murcha o ânimo para o Majestoso. Depois tem o Atlético Mineiro. Uma coisa pode puxar a outra, destruindo a melhor banda de todos os tempos da última semana. Hoje o SPFC não é o do Mirassol e da “brochada” de dois anos atrás. Em duas semanas, pode ser exatamente a descrição das mesas redondas. Diniz e seus discípulos precisam lembrar este risco desde logo. Melhor que quando – e se – for tarde demais.
Em tempo: a partir do 1:26 min, uma leitura especial de Mel Brooks para a lembrança de mortalidade.
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