Créditos da imagem: Manu Fernandez/EFE
Um resultado trágico como 7 a 1 ou 8 a 2, entre equipes grandes. nunca é previsível. Porém, em determinadas circunstâncias, não chega a surpreender. Especialmente quando um grande acúmulo de erros passa despercebido em fases anteriores, ou é duramente superado pelas virtudes restantes. Some-se a isso um momento de constatação de inferioridade, seguido de uma queda violenta na concentração com pitadas de desespero. Com a mistura certa, o improvável vira quase óbvio.
O Barcelona já tomara placares constrangedores de uma Roma modesta e um Liverpool desfalcado. Pegando um Bayern completo e exuberante, após uma temporada em que os catalães sequer conseguiam mandar as falhas pra debaixo do tapete (nem na Copa do Rei), o clube catalão tinha ampliado seu potencial autodestrutivo. Inclusive por desafiar a frase atribuída a Einstein, sobre loucura consistir em fazer sempre o mesmo esperando resultados diversos. Vejamos:
- nos três jogos, entrou sem um jogador veloz no ataque, preferindo povoar o meio-campo;
-
nos três jogos, a base da defesa foi a mesma, com os laterais Semedo e Alba abrindo avenidas (e danceterias), a zaga lenta sendo dominada e o meio-campo, mesmo com um jogador a mais, assistindo o adversário jogar perto de sua área;
-
nos três jogos, o plano de ataque se resumia a acreditar que um supercraque poderia resolver sozinho, sem elenco de apoio, em determinado nível de intensidade da disputa e com o adversário tomando posse do campo de ataque.
Esta foi a colaboração do Barcelona. A do Bayern foi aproveitar o convite ao deleite, com um elenco bem ajustado, cheio de opções (Perisic nem vinha sendo titular na Bundesliga) e capaz de nem se abalar com seus erros defensivos, de tão seguro de si. Não houve apagão do derrotado. Houve, pois sim, uma superioridade contra a qual o Barcelona não tinha sequer elemento humano para enfrentar. De quebra, seu treinador promoveu a festa do chucrute nos minutos finais, tirando Busquets para só então colocar a única alternativa de velocidade do ataque – o novato Ansu Fati. Os bávaros foram praticamente obrigados a humilhar – com técnica, repertório e gosto.
De volta à realidade de uma campanha sofrível o ano inteiro, o Barça encerra uma performance em que nem Messi conseguiu repetir números anteriores. Especialmente depois da demissão do já incompetente Ernesto Valverde. Quique Setién chegou com fama de adepto do barcelonismo, mas logo se revelou uma mistura de Paulo César Carpegiani e Fernando Diniz. Não queria repetir pontos de colunas anteriores, mas vale destacar aquilo que demonstra que, por mais inusitado que pareça, os 8 a 2 foram apenas a cereja podre de um bolo mui indigesto:
1 – o dinheiro torrado em Dembélé, Coutinho e Griezmann não terá como ser reposto nem pela metade. O mercado retraiu com a pandemia e os três se desvalorizaram. Dembélé passou mais um ano no departamento médico. O brasileiro, a despeito dos gols que fecharam o massacre, tampouco agradou na Alemanha. Ainda tem mercado na Inglaterra, mas não pelo que custou. E Griezmann, que já veio com um enigma sobre onde jogaria, assustou com a dificuldade de se entender com Messi. O centroavante rubro-negro Nunes comentou ter levado um ano para entender Zico. O francês parece que não entenderá o argentino nem em cinco. Um mico que nem os colchoneros querem de volta.
2 – além de Messi (33), a cambada de medalhões já passou ou beira os trinta anos. Alba tem 31. Piqué, 33. Busquets, 32. Suárez, 33. Rakitic, 32. Vidal, 32. Mesmo a promessa Sergi Roberto está com 28, sem definir sua posição até hoje. Os trintões podem sair para mercados que tampouco pagarão grande coisa – ainda que seja o da Itália, único grande centro que vem apostando em veteranos. Se não aparecerem interessados, a dispensa amigável da maioria não é hipótese a desprezar. A rigor, o único com apelo certo é o próprio Messi, cujo contrato vai até o meio de 2021. Negociá-lo agora, ainda que por muito menos que seu valor descomunal, pode ser a melhor chance de fazer caixa.
3 – apesar dos bons começos de Fati e Puig, La Masia é um dos problemaços do momento. A terceira divisão espanhola não propicia nível que sirva como transição de juvenis para profissionais. Nem assim o time consegue voltar à segundona. O modelo de revelação de atletas, elevado às alturas com a incrível geração de Messi, Xavi, Iniesta & Cia, hoje se mostra superado por outros clubes. Tanto que, entre os estreantes da década passada, o único titular foi Sergi Roberto. Isso complica sugestões de montar um time com Messi tutelando a garotada. É muito jogador verde e mal preparado para servir de salvação da lavoura. Haja fantasia.
4 – como se não bastasse, falta quase um ano para acabar o mandato do presidente Bartomeu, responsável pela contratação de gerentes tenebrosos e por retardar decisões fundamentais. Em vez de renunciar, no máximo promete antecipar as eleições para janeiro. O sucessor só poderia pensar na temporada de 2021/2022. Provavelmente com Messi longe – pago ou de graça. Lembra muito a situação que são-paulinos vêm passando e ilustra o maior defeito do modelo associativo. Um presidente desastroso, com plenos poderes, tem tempo para jogar tudo pelo ralo, mais de uma vez. Sendo que nada garante que o próximo não pode ser ainda pior – pelo mesmo prazo.
Neste cenário, nem soa polêmico decretar que o Barcelona entrou numa sinuca pior que a de quando se entupiu de holandeses – e olha que Koeman é um dos candidatos a técnico. Sempre se soube que o fim da Era Messi seria penoso, mas o clube parece ter feito de tudo para que as coisas se tornassem muito mais difíceis. Mesmo com seu maior ídolo ainda jogando. Quem deve estar dando risada é Neymar. Não do clube, mas de todos (incluindo eu mesmo) os que, há um ano, davam como provado que tinha cometido um grande erro profissional, ao preferir o PSG. Ainda que decorrente de mais sorte que de juízo, eis uma decisão da qual deve ter desistido de se arrepender.
Por outro lado, seu amigo Messi está na encruzilhada. Deve acreditar no improvável e continuar? Ou deve ir atrás de uma derradeira chance de passar seus últimos anos de carreira (que ainda segue em altíssimo nível) com chances de vencer a sonhada “orelhuda” de novo? A esta altura, os maiores fãs do jogador (também incluindo eu mesmo) torcem para que pule fora deste barco. O capitão é o último a abandonar o navio, mas não depois que ele já afundou.