Créditos da imagem: Jornal do Brasil
A praça está para o gaúcho como a praia para o carioca. É como aquele ditado popular: “se não tem cão, caça com gato” e outras variações. Pois quem está longe do mar e de uma natureza mais intacta e exuberante (como é o meu caso, a cerca de uma hora da Capital), o lazer é sim na praça. E a ideia aqui é destacar um espaço que considero emblemático em Porto Alegre, o “Parque Tenístico José Montaury”, localizado no coração do bairro Moinhos de Vento, sede de antigos casarões, hoje quase inexistentes, bem servido de hotéis, bares e restaurantes.
Pois o parque fica em frente à bela hidráulica do Moinhos de Vento (uma construção em estilo inglês e com um sedutor jardim) e sob suas três quadras de saibro e um paredão estão, no subsolo, os tanques com a água tratada que abastece esta parte da cidade.
Mas o legal é que ele é gratuito e quem quiser aprender a jogar tênis (devidamente inscrito nas turmas disponíveis) pode desfrutar desse privilégio, de graça, em um dos lugares mais bonitos da cidade.
“Quem joga tênis, joga em qualquer lugar” afirma Gilberto Bisso, professor que coordena o local há quase 25 anos. Segundo ele, as aulas são ministradas de terça a sexta-feira no turno da tarde, e pela manhã de terça a quinta-feira.
Junto com outro professor e dois estagiários, ele é mais do que um professor, é o síndico, “quebra galhos”, incentivador, conselheiro e amigo dos frequentadores, que conhece pelo nome.
Mas Gilberto enfatiza, “a gente ensina tênis, não treina”. Para os iniciantes empresta inclusive as raquetes até que o aluno se disponha a adquirir uma. “Tem raquete de mil reais, mas tem de noventa, nos supermercados”, avisa ele enquanto conversa e resolve problemas administrativos ao mesmo tempo.
E de fato, ali não é local de glamour e sim de espírito esportivo. A prefeitura mantém outras duas quadras públicas para prática do esporte no Bairro Germania, próximo a um grande shopping, endereço mais estrelado e de PIB mais elevado, onde Gilberto dá aulas pela manhã.
A característica mais marcante do esporte e digo de qualquer esporte, é o espírito coletivo e democrático. E o futebol talvez seja a modalidade que consegue unir essas duas características de forma mais harmônica. Uma bola qualquer e quem estiver por perto basta. Irmãos, primos, afetos e desafetos fazem uma bela pelada na rua, no campinho, no colégio e até dentro de casa para desespero materno.
Por outro lado, quando um esporte une o coletivo e o social, temos, na minha opinião, o melhor dos mundos. E, em se tratando de tênis – que carrega um status elitista pelas suas características -, essas iniciativas devem não só ser aplaudidas, mas disseminadas.
“Uma quadra de tênis ocupa o espaço de um prédio de 12 andares”, reconhece Gilberto, para justificar a fama quase esnobe do esporte.
Sob seu comando, são realizados cerca de dois torneios por ano, cuja idade mínima é de 16 anos com jogadores selecionados por habilidade: iniciantes, intermediários e avançados.
O “Parque Tenístico José Montaury” foi inaugurado na década de 40 e é um microcosmo da cidade que o rodeia.
Há personagens permanentes, gerações de famílias que se revezam nas quadras e que fazem do local seu lazer e interação com a cidade. Muitos vão de bicicleta outros vem da região metropolitana. Alguns são anônimos e outros nem tanto.
Gilberto explica que, embora a necessidade de melhorias seja uma constante, o parque público está em boas condições (apesar de conviver com reclamações de usuários como os que querem ocupar a quadra a partir das sete da manhã, o que nem sempre é possível devido à rotina dos guardas que abrem e fecham a praça em rodízio).
Nos últimos dias, o espaço ganhou por incentivo de um frequentador e professor, duas novas quadras de vôlei de praia que devem movimentar ainda mais o local.
E devido aos custos e às características do local, não há iluminação noturna embora aqui e ali surjam iniciativas para as pessoas ocuparem com mais frequência os parques de Porto Alegre também no período da noite, bem como em outras cidades, como a “Serenata Iluminada do Parque da Redenção”, uma tentativa de driblar a violência urbana nossa de cada dia.
Só resta torcer que o parque, essa ilha verde e de convívio público, batizado com o nome do primeiro intendente eleito de Porto Alegre, cidade que administrou por longos 27 anos, receba do Poder Público hoje e sempre, o mesmo carinho e deferência que obtém do público frequentador.
Reza a lenda que o engenheiro carioca José Montaury de Aguiar Leitão canalizou sua vida para o serviço público e foi o primeiro administrador a implantar um serviço médico de pronto socorro do país, e a primeira rede de esgotos de Porto Alegre. Talvez pela extrema dedicação ou falta de oportunidade, não sei ao certo, nunca se casou, mas reza a lenda que era um homem pobre quando morreu, em 1939.
Quadras públicas no Brasil
Escrevo do “meu quintal” porque é aqui que vivo, mas isso não é mérito local. O Brasil tem 248 quadras de tênis públicas, segundo o site tênis brasil: http://tenisbrasil.uol.com.br/quadraspublicas/.
Particularmente, pela extensão territorial (nem vou falar em impostos), acho que oferecemos pouco, muito pouco.
O que escancara o fenômeno que foi Gustavo Kuerten, o maior tenista brasileiro e um dos maiores de todos os tempos em nível mundial.
O catarinense “Guga” driblou a falta de estrutura do tênis no país (que parece viver de incentivos isolados, como o exemplo do “Parque Tenístico José Montaury”, na pessoa de Gilberto Bisso), virou nº 1 do mundo (tricampeão em Roland Garros), e virou ídolo nacional.
Que o raio caia duas (e mais e mais vezes) no mesmo lugar. Mas que não contemos apenas com isso.
Adoro tênis e tenho o Guga como grande ídolo.
Tomara que o Brasil possa vir a ter novos parques como esse mencionado no texto (e outros “Gilbertos Bissos”) e que, assim, surjam novos talentos.
E, principalmente, que o esporte sirva pra educar as nossas crianças.
Parabéns pela abordagem!