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Sobre eventual – e mui improvável – desembarque do mestre lusitano no Brasil
Gosto de filmes e até desenhos animados como referências em colunas. Ajudam a encurtar explicações e impedir que o texto fique prolixo. Hoje, convidado a opinar sobre a hipótese de José Mourinho trabalhando no Brasil (especificamente, no SPFC), lembrei um episódio de South Park, quando Kyle e Stan encontram um homem congelado por três anos. No fim, o personagem, para não ficar deslocado, vai morar numa cidade sem nenhum progresso desde 1996 (o episódio é de 1999). É mais ou menos como imagino o técnico português treinando aqui. Atrasado para o mundo, atualizado no Brasil. Se bobear, até na vanguarda.
Quando o “special one” foi demitido do Manchester United, postei coluna mostrando como seus métodos eram avançados dentro de um futebol que, todavia, tornou-se datado. No meio do caminho apareceram Pep Guardiola e Jurgen Klopp, os revolucionários que vencem. Até tal ascensão, dividia-se os técnicos de futebol entre os inovadores sem taça e os pragmáticos com troféu. Paralelamente, no Brasil, tínhamos um treinador tricampeão brasileiro dizendo “quer espetáculo? Vá ao teatro!” – sob constrangedores aplausos de quem, agora, pede “ginga”. Mas a divisão perdeu todo o sentido na Europa. Mourinho ainda derrotou o então novato Pep em 2010, mas na temporada seguinte o jogo virou de vez. Mesmo entre os defensivos, ficou defasado em relação aos que entenderam Pep, Jurgen e outros para aprender a enfrentá-los, sem se limitar a um ônibus na própria área.
Portanto, o ponto em comum de Mourinho e futebol no Brasil é que ambos foram pouco influenciados pelos novos esquemas, mais compactos e adiantados. Como quem segue com uma TV de plasma, mesmo podendo ter tecnologia melhor. Neste aspecto, a compatibilidade é inequívoca. Mourinho não quis saber de trocar de década. O futebol nacional, com duas ou três exceções, também não. A maioria dos técnicos que tentam se modernizar é como os inovadores sem taça do parágrafo anterior. Como no Palmeiras. Roger Machado passou meses tentando fazer o time atuar com um volante – o “esquema de índio”, segundo Abel Braga. Felipão chegou da China, restaurou a “volância dupla” e ganhou o Brasileirão. Na Copa do Brasil, foi a vez do defensivo Cruzeiro de Mano. Só na Libertadores é que deu LED na cabeça. E nem era uma Samsung.
Se o futebol brasileiro fizesse a brincadeira do Facebook comparando 2009 e 2019, pareceria aquelas celebridades que não mudam de cara. Taticamente, a única mudança sensível da parte ofensiva foi a troca do terceiro volante por um atacante aberto pela direita. O segundo atacante abriu pela esquerda e isso foi o máximo de modernidade atingido por mais de 90 % dos clubes. Os zagueiros continuaram atuando em cima da própria área, mesmo com o time no ataque, o que faz com que as duas linhas de quatro só funcionem recuadas – numa execução piorada do busão “mourinense”. O meia-atacante seguiu isolado no centro, preso entre as linhas defensivas. O atraso de mentalidade é tal que, volta e meia, jogadores como Kroos, Rakitic e mesmo o brasileiro Arthur são chamados de volantes, em vez de meio-campistas. Como chamar Mou de ultrapassado num cenário desses?
Neste contexto, em tese a ideia de Mourinho no São Paulo é atraente. Com um elenco caro e limitado como o montado por Raí, difícil seria encontrar melhor expert na arte de ganhar jogando feio. Por outro lado, em termos de futebol brasileiro, seu eventual sucesso traria um alto risco: o de “aprimorar” o atraso com uma História alternativa. Aquela que teria acontecido na Europa, se não fossem os intrometidos “românticos” resolvendo ganhar títulos. Para quem tem esperança de entrar na década de 2010 antes que acabe, a visão de Abelão, Felipão, Mano e Mourinho dividindo conquistas é de dar calafrios. Especialmente com Renato Gaúcho e Carille tendo elencos problemáticos, além da dúvida sobre até quando os santistas aguentarão correr com Sampaoli. Mesmo para o SPFC, a conta da realidade paralela poderia ser mais dez anos melancólicos – como estão sendo após o muricybol.
Assim, na remota hipótese de o treinador realmente aparecer disposto a trabalhar no Brasil em 2019 (por um salário acessível), o gestor são-paulino se veria num dilema. Pessoalmente, minha resposta dependeria dos demais cogitados. Se forem estes que estão sugerindo, eu mesmo organizaria um crowdfunding para lhe pagar um chef de comida portuguesa por dois anos. Sim, porque três anos, no caso dele, é comprovadamente demais. Nem o cachorro da propaganda do site de apostas deve aguentar.