Créditos da imagem: EFE/José Jácome
Antigamente, entre a verdade e a lenda, imprimia-se a lenda. Houve uma substituição. Saiu a lenda, entrou a narrativa. O São Paulo, antes de ser dominado como time pequeno em Avellaneda, já tinha uma explicação: LDU e River Plate enfrentaram o Binacional em Lima, não em Juliaca. Não tiveram que jogar contra a altitude. Argentinos sempre favorecidos, brasileiros sempre prejudicados. O tricolor foi “vítima do sistema”. Pena, pra quem caiu nessa, que não há cascata que Diniz e seus seguidores não consigam transformar em caatinga.
Mesmo que não houvesse Covid-19, o São Paulo teria levado a pior no confronto direto com o River Plate. Ficaria quites com a LDU, mas esta pouco sentiria a altitude de Juliaca. É provável que levasse ao menos um ponto do Peru. Coisa que o SPFC também levaria, se não fosse tão incompetente. No fim das contas, o tricolor seguiria enrascado. “Ah, mas se não houvesse a Covid o time teria o Antony contra o River Plate!”. E o River Plate teria entrado na ponta dos cascos. Não estaria há seis meses sem um jogo sequer. Tem mais: de todo jeito, Antony não estaria em campo num eventual mata-mata, porque teria ido para o Ajax. O tricolor seguiria sem procurar um substituto, acreditando que Pato e Pablo resolveriam. Ou seja: pelo menos a Covid-19 serviu pra poupar a torcida de um tombo futuro mais doloroso.
O desculpismo no Morumbi se aprimora desde 2009. Como o vitaminado Juvenal Juvêncio poderia estar trocando tanto os pés pelas mãos? Segundo as narrativas, era por estar focado apenas em colocar o estádio na Copa do Mundo. Não colocou. A desculpa foi que estava tudo arranjado pra torrarem grana num novo estádio. E qual a desculpa pra não saber disso antes? Não disse. Até porque ninguém perguntou. Imprensa e papa-favores da internet também estavam arranjados. Quanto ao time, a explicação perfeita botava a culpa no diretor de futebol. Quem era? Leco. Foi também a deixa pro golpe de 2011, ou então o terrível Leco seria presidente. Quatro anos depois, com Juvenal de malas prontas pro Além e querendo vingança contra Aidar, enfim Leco ganhou sua benção como “o homem certo pro cargo”. São tantas as desculpas que acabam trombando entre si.
De volta a 2020, Raí trouxe uma nova justificativa pra manter o técnico. Segundo o cigano Igor, o problema é que a pandemia deixou a temporada atípica pro clube. E pro resto, está sendo típica? Adivinhem: ninguém perguntou. Nem lembraram que a derrota pro Binacional foi antes da paralisação. Assim como vários outros problemas. Na verdade, a pandemia ajudou. Os campeonatos pararam logo depois que o SPFC venceu a LDU e o Santos. Isso rendeu três meses de comentários favoráveis. Falaram que o SPFC jogava como o Flamengo. Flamengo, aliás, que ganhou dois jogos e empatou outro, mesmo com o time contaminado. O SPFC perdeu pra LDU e River Plate com todo o elenco disponível. Vai ver, o problema foi esse. Faltou uma boa desculpa sobre o que o time não faz em campo. É desconfortável ser indesculpável.
Chegará a hora em que nenhuma lorota manterá Diniz. Voltará Aguirre. Sobre o futebol horroroso de quando o uruguaio foi demitido, as narrativas estão no forno. “Saiu sem ter a chance de corrigir os problemas”. “Perdeu jogadores lesionados”. “Com ele o time tinha raça”. E por aí vai. Nem adianta recordar que, em todos os clubes, seu roteiro de queda foi igual. Como disse no começo: o que interessa é a narrativa, não o fato. Mas talvez seja bom. Quando for sacado outra vez, não poderão dar as mesmas explicações. Pena que logo virão fracassos inéditos. Com desculpas inéditas. É o clube da marmota. É o reino da falácia. Os adversários exultam e gargalham. Longa vida à rainha.
[…] O soberano das desculpas – por Gustavo Fernandes e Danilo MirongaPor Gustavo Fernandes02/10/2020 […]