Créditos da imagem: Montagem / No Ângulo
Em 2002, a euforia pelo pentacampeonato brasileiro ganhou contornos ainda mais divertidos com a manchete do fanfarrão Olé, da Argentina. Algo como “por que eles e não nós?”. Naquele momento, a Argentina via a diferença de Copas (que chegou a ser de uma) pular para três. A seleção albiceleste saíra como favorita e mal curtiu duas semanas na Ásia. O Brasil, desacreditado até por Pelé, fez a campanha da redenção de Ronaldo – que teria “amarelado” em 1998.
Vinte anos mais tarde, foi a vez de os vizinhos fazerem a redenção de seu gênio, após quatro tentativas frustradas e participação melancólica em 2018. Não chegaram como azarões, porém o vexame da estreia os deixou beirando o precipício já no segundo jogo. Ao contrário da piada, não deram um passo à frente, mas um salto que os levou ao outro lado. Enquanto isso, o “favoritaço” Brasil ficou a uma carta da canastra de eliminações para europeus. Pensem num reverso de fortuna.
Tentando ser mais oportuno que oportunista, lanço uma série de fatos que não foram necessariamente decisivos para a conquista argentina (Messi, Martinez, Scaloni & CIA foram mais), mas representam diferenças visíveis no universo das duas mais vitoriosas seleções sul-americanas – poupem-me de falar que o Uruguai tem quatro mundiais. Vamos a elas:
1 – torcida pela seleção – não faço uma repreensão (até porque eu mesmo já torci contra), mas uma constatação. Para os argentinos, não torcer pela seleção de seu país é algo inimaginável. Para os brasileiros, era assim em 2002. Só que uma série de fatores foi normalizando a torcida pela seleção como algo facultativo, não imperioso. Isso só foi aumentando, em especial quando a bagunça da Copa de 2014 e a política entraram de vez em campo. Mesmo entre quem torce, temos sommelier de apoio. A vibração com o tornozelo inchado de Neymar, bem como a pesquisa para saber o voto de Richarlison antes de elogiar seu golaço, ilustram que a “corrente” passou a ser pra qualquer lado, menos “pra frente”.
2 – senso de urgência – em 2018 e agora, vimos tentativas de reanimar torcida e atletas brasileiros antes mesmo que sentissem a plenitude da derrota – algo necessário quando se fala em competidores. A narrativa do “hexa adiado” criou até uma “vitória moral” contra a Bélgica. Também “só faltavam quatro minutos” contra a Croácia e o jogo seria “ooooooutro” na semifinal. Nesta toada, sem reflexões e maiores cobranças, o hexa vai ser adiado para 2052 – e olhe lá. Por sua vez, sabendo ser a provável última Copa de seu supercraque, a seleção argentina foi ao Catar como se não houvesse amanhã. No lugar de desespero, este senso provocou superconcentração que fez jogadores medianos obterem façanhas.
3 – torcida mundial – além das trombadas internas entre seu nacionais, o Brasil perdeu o posto de segundo time de outros espectadores para esta Copa. O motivo foi o mesmo do tópico anterior: a última dança de Lionel Messi. Quase todo o mundo incentivou o ânimo de superação do camisa 10, desafiando tempo e contratempos para fazer uma Copa condizente com seu futebol e “provar” que é argentino – com direito a momentos temperamentais maradônicos. Esta torcida aconteceu inclusive no Brasil. Até rojões puderam ser ouvidos após a cobrança fatal de Montiel. Nem Maradona provocou este efeito em 1986 – embora muitos, pois sim, tenham torcido para o coroamento daquela magnífica exibição.
4 – humildade tática – usualmente associados à imagem de arrogância, os argentinos abraçaram as estratégias de Lionel Scaloni para aproveitar as brechas de cada adversário. Como já virou praxe, apenas parte dos escalados era de titulares absolutos. Foram sete escalações diferentes, muito mais por opção que lesões. Enquanto isso, é penoso fazer os brasileiros entenderem que “definir onze titulares e manter até o fim da competição” se tornou uma ideia superada. Ainda mais com técnicos, ex-atletas e jornalistas incentivando que se chame de “professor Pardal” quem faz aquilo que, nos dias atuais, não é mais que o óbvio. Isso porque, é claro, nós nos proclamamos muito humildes.
5 – ousadia musical – em tempos de tantas inovações (muitas delas horrorosas) por aí, fatalmente inventariam um tango em que o argentino não se lasca no final…