Créditos da imagem: John Sibley Pool/AFP
Há mais de três décadas, governantes e dirigentes ingleses decidiram dar um basta a duas vergonhas do futebol no país: a tolerância a torcedores violentos e a desorganização mortífera. A primeira provocou tragédia internacional na decisão da Copa dos Campeões de 1986. A segunda foi a causa do desastre de Hillsborough. Uma somatória de medidas levou a estádios confortáveis e cheios, transformando a ida ao futebol em programa familiar. Eis que chega o momento de completar o serviço enfrentando o racismo para vencer, bem como freando a apologia a “torcedores raiz” – vulgo trogloditas. Ambos deram as caras na decisão da Euro-2020. Ambos precisam dar com as caras na porta.
O que poderia ser um triunfo virou constrangimento. Começou com os tumultos na entrada de Wembley, que nem mesmo a ansiedade pelo evento (primeira decisão com lotação quase plena desde a pandemia) justificaria. Depois vieram as ameaças aos torcedores da seleção campeã, pisando na imagem de bons perdedores do esporte britânico. Mas a cereja podre do bolo estragado veio com os xingamentos racistas (alguns além das redes sociais) contra os que perderam as cobranças na disputa de pênaltis. Já seria ridículo ofender, mesmo sem racismo, três jogadores colocados numa fria. Rashford e Sancho entraram no minuto final, sem tempo de tocar na bola. Saka nunca cobrara um pênalti como profissional. Se alguém merecia a perda de polidez coletiva, seria o “gênio” do treinador que planejou esta asneira.
Como de costume em situações assim, logo surgiram comentários autoindulgentes no Brasil, na linha “o que diriam se fosse aqui?”. A diferença usualmente está na postura das autoridades. Ao contrário do Brasil, em que tragédias (dentro e fora do esporte) são apenas esquecidas por conta de outras tragédias, do Reino Unido e da União Europeia se espera que não se repitam. No caso dos arruaceiros, os meios vêm funcionando e é questão de não afrouxar. Porém, no que tange ao racismo, as atitudes tomadas não vêm produzindo a eficácia imaginada. É preciso ter coragem de promover as duas medidas realmente eficazes: 1 – identificar e barrar os racistas dos estádios (mesmo que o racismo seja manifestado fora deles); 2 – tirar pontos e classificações dos clubes destes torcedores. Vilões só temem munições de verdade.
Seja hooligan ou “family lad”, o racista atuante não pode ter espaço nos eventos esportivos. Quer ser racista na sua casa ou no meio de outros racistas? Que seja. Democracia envolve o direito de ser cretino. Desde que, obviamente, sua cretinice não afete direitos alheios. Este é o referencial que deve orientar a luta contra preconceitos em todos os campos. A Lei não pode obrigar ninguém a ser o que não quer, mas o livre arbítrio não é liberdade absoluta para existir sem consequências. Cabe também ao meio social, independentemente do ordenamento jurídico, explicitar que os tempos mudaram. Não para consagrar lacrações descompensadas, como beatos da diversidade. A ideia é simplesmente mostrar, sem violência, que o amigo (?) ou parente não está agradando quando pensar que está entre iguais em desgraça.
Nos últimos trinta anos, grandes passos foram dados para civilizar o torcedor sem esvaziar o esporte – na verdade, enchendo arquibancadas. Alguns jornalistas e torcedores brasileiros não se conformam com o fato de que o público nos estádios ingleses não xinga. Como assim, a “paixão” não serve de desculpa para deixar a educação em casa? Com trabalho constante, consegue-se separar a emoção da grosseria. Mesmo o racismo já era dado como abalado em campos britânicos, até surgirem as vaias aos atletas ajoelhados, culminando com o episódio da semana. O sinal de alerta surgiu como uma nova variante viral. Hora de vacinar.
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