Créditos da imagem: Diego Vara / Agência RBS
Sou de um tempo em que a hierarquia estabelecida dentro do futebol brasileiro apontava o Grêmio como vencedor e o Internacional como um clube de glórias antigas, em declínio. Enfim, um ex-gigante. O Colorado já não assustava mais ninguém, e o sucesso do Tricolor provocava um contraste que só colaborava para que a imagem do rival junto ao país estivesse cada vez mais deteriorada. O time gaúcho a ser temido em esfera nacional vestia azul, preto e branco. Era ele quem decidia grandes campeonatos e representava força de respeito na Copa Libertadores da América. Além de ser notado e admirado por algumas honras que envaideciam, como desfrutar do status nobre de ter vaga na clássica Supercopa dos Campeões da Libertadores – campeonato destinado somente a vencedores da competição mais importante do continente. Via-se o Internacional resumido ao Campeonato Gaúcho e a tentativas infrutíferas de se reestabelecer nacionalmente, com bons times, mas que sempre falhavam nas fases decisivas. Para quem não viu o temido time dos anos 70, o Inter parecia uma espécie de Botafogo da época: merecia o noticiário por ter sido algum dia grande. Mas não era mais. O Grêmio estava acima.
Essa visão distorcida foi desenvolvida, dizem os clínicos do futebol gaúcho do período, por sucessivas gestões incompetentes e exploradoras que se alimentaram do sucesso em períodos anteriores para administrar o clube sem atenção, costurando ditaduras internas. Havia excesso de poderes nas mãos de alguns dirigentes, que nutriam-se do clube sem nutri-lo com resultados. Já era cultura popular de divertimento entre os gremistas: escutar no rádio colorados revoltados chorando que não aguentavam mais tanta humilhação, de campana no portão 8 após fracassos em fases iniciais da Copa do Brasil, na espera da passagem de figuras importantes, para vaiá-los e cobrar resultados. Esse quadro se manteve por anos e anos. Mas tudo muda.
Quando o Inter pareceu ter chegado ao fundo do poço, na virada dos anos 90 pros 2000, com duas temporadas em que esteve na iminência de ser rebaixado no Campeonato Brasileiro, parece que chegou a hora de tomar providências. Havia campo para humildade e reformulação, pois o quinhão dos antigos dirigentes tinha acabado. Assim, nasceu o período de mostrar os cofres do clube vazios e da limpeza dos ratos nos porões de um QG desmoralizado. Desse “purgatório” nasceu a gestão Fernando Carvalho e uma torcida diligente, carinhosa e tolerante. Daquelas típicas que só aparecem quando a dor extrema elimina qualquer orgulho e repara rixas históricas. Após um quase rebaixamento em 2002, tudo foi melhorando gradualmente. A torcida comprou as causas divulgadas pela nova diretoria, o clube encontrou formas viáveis de endividamento e contatos com nomes que possibilitavam a formação de times mais qualificados. Nasceram nesse período muitas parcerias com empresários e grupos de investimento que facilitaram a circulação de jogadores de renome. O clube não só recuperou sua grandeza como superou suas marcas históricas, alcançando os títulos da Libertadores e Mundial. Os títulos garantiram a continuidade de um ciclo em cadeia de interessados e novos bons resultados.
A nova era reservou também novos paradigmas ao colorado. Todo clube vencedor forma seus ídolos, e muitas vezes se vê vinculado a eles por até mais tempo do que deseja. É na fase histórica de um clube em que deve-se tomar cuidado para que o sucesso não traga os mesmos aproveitadores de outros momentos parecidos.
Diferentemente de antes, no período atual, pós título mundial, o Internacional se vê com dilemas que, se não são tão graves quanto conseguir formar times minimamente respeitáveis, prejudicam bastante a fluidez da sua administração e a sua competitividade. Jogadores com muita história no clube garantiram contratos muito grandes para o seu tempo de validade em campo. Possuíam poder de barganha nas negociações em função do seu status, e muitas vezes foram beneficiados mais pela sua imagem do que por seu futebol. Um exemplo foi o zagueiro Índio, que por ter inúmeros títulos, passou a ser tratado como intocável e renovou seu contrato várias vezes, quando já não tinha mais condições de dar o retorno que um clube como o Inter precisa. Sob a pecha de jogador respeitado no vestiário por seus títulos, garantiu sua permanência no clube até quase os 40 anos. E os jogadores que vão e voltam? Nem sempre mantêm o desempenho do período anterior, mas seu forte nome se sobrepõe a avaliações mais criteriosas, que ajudariam na formação de times tão bons ou quem sabe até melhores, mas sob custos mais baixos. E esses atletas ocupam um espaço que bloqueia o surgimento de novos jogadores.
É tempo de não permitir que o Internacional volte a se endividar perigosamente. As pressões externas para o controle dos clubes ficam cada dia maiores e não se pode mais deixar para “amanhã” algumas amortizações. Nem descumprir com encargos do dia a dia. E toda gratidão a grandes jogadores que marcaram história deve ser bem compreendida. Não se pode confundir o respeito a um jogador renomado com aproveitamento técnico. Isso prejudica até mesmo o jogador, que já não agrega tanto em campo, mas permanece atuando por contrato e pelo status de estrela, e passa a conviver com críticas desnecessárias que arranham sua história. D’Alessandro é o melhor caso nos dias atuais. Já não tem a mesma intensidade de 3 ou 4 anos atrás, mas ninguém ousa questionar a titularidade de um capitão e um dos maiores ídolos do clube. Nem mesmo sua última renovação de contrato levou em consideração a sua idade da maneira como deveria ter sido feito. O resultado é a situação atual. Como aconteceu em vários outros casos nesse período.
É inevitável para qualquer clube conviver com sinas: times que vivem na penúria agonizam para encontrar a sua mina de ouro que um dia os eleve a uma condição melhor. E aqueles bem sucedidos precisam ter cuidado para não serem engolidos pelos males que surgem na esteira das conquistas. A vigilância permanente por parte da torcida e de seus dirigentes é necessária para saber diagnosticar os erros que estão sendo cometidos em períodos ruins, mas também para identificar aonde estão se formando os vícios que podem pôr em risco o futuro de um clube em período vitorioso.
Muito bom ponto, Guilherme! Além desses casos citados do Inter, acho ilustrativos os do Corinthians com o Emerson (que em 2013 teve o contrato renovado por 2 anos e caiu muito após a assinatura, chegando a ser emprestado pro Botafogo com o Corinthians metade do salário) e o Valdívia agora no Palmeiras, que se não chegou a fazer parte de uma fase de ouro pelo clube (muito pelo contrário) é atualmente o único ídolo da torcida palmeirense e praticamente nunca fica à disposição.
Guilherme, entendi o que você quis dizer e achei bem interessante a sua constatação (além de concordar com ela).
A minha ressalva fica por conta do D´Alessandro, a quem considero um dos grandes meias (ao lado de Jadson, Danilo, Ganso e Lucas Lima) do futebol brasileiro. Na minha opinião, o seu texto se aplicaria a jogadores como Índio, Bolívar e Ceará. Resumindo, entendo que o D`Alessandro é solução e não problema para o Inter.