Créditos da imagem: Thiago Rodrigues/Gazeta Press
Daniel Alves não raro tenta se mostrar mais articulado do que é. Neste final de semana, sentindo-se ungido no Olimpo, superou-se. As declarações sobre o São Paulo e o episódio dos agasalhos no pódio desafiam a compreensão de qualquer pessoa, desde um Forrest Gump até um Einstein. A ponto de até quem o homenageia ficar com cara de tacho. Imaginem você mandar parabéns a um amigo por uma conquista e ver este amigo, provocado por terceiro, descontar a fúria na sua pessoa em vez do ofensor. Entendeu? Nem o São Paulo. Muito menos o são-paulino que, de início, ficou “felizão” com sua vinda.
Mal soou o apito final em Yokohama e o São Paulo publicou tweet parabenizando seu jogador pelo ouro. Como retribuição, foi exposto publicamente como tratante e caloteiro. Tudo porque certos torcedores vieram a acusar Daniel de abandonar o time durante os Jogos Olímpicos. Isso mesmo: ao disparar contra o São Paulo em resposta a detratores, agiu como se o seu empregador fosse o responsável pela acusação. Não foi. Na verdade, o tricolor paulista tornou possível a Daniel Alves disputar a competição que, sem nenhum sinal prévio, declarou ser seu grande sonho. O fato de estar devendo ao jogador não obrigava o clube, de modo algum, à liberação fora de data FIFA – em meio a partidas decisivas e com o time lutando para fugir do Z4. O prêmio pela liberalidade foi, pasme-se, a humilhação.
Não nego o calote dado pelo São Paulo. Pelo contrário, pois condeno. Desde o anúncio da contratação, sabia-se que o vultoso acordo não seria cumprido. Não foi porque Raí falou “le garantie c’est moi” que a mágica ocorreria. Ocorre que, embora isso não lhe tire um centésimo de seus direitos, o atleta estava a par da impossibilidade. Tanto que deu meses para o primeiro pagamento (que não veio). Mas ele também sabe que, mais cedo ou (bem) mais tarde, os atrasos serão pagos com juros. Mais: jogando sem receber de plano, Daniel pôde fazer o que não podia na Europa – mandar no clube. Até um treinador foi escolhido por ele. Nunca se entendeu como podia ter visto tantos jogos dos times de Fernando Diniz para dizer que era o melhor do Brasil. Mas quem teve moral para questionar? Leco?
Até o final do Brasileirão de 2020, Daniel Alves jogou onde quis, como quis e pelo tempo que quis, estivesse bem ou mal em campo. Um privilégio dado apenas a Messi, seu companheiro de Barcelona e melhor jogador do mundo por mais de dez anos. Foi para isso, pois sim, que Daniel resolveu atuar no Brasil. No futebol europeu, a despeito do número incrível de conquistas, foi sempre um grande coadjuvante nos grandes clubes em que atuou. Num SPFC decadente, com dirigentes confusos e suspeitos, além de uma torcida abobada com supostas boas notícias, chegou com status de “Lionel Alves”. Custou (literalmente), mas a fantasia finalmente deu lugar à constatação de que, mesmo capaz de desequilibrar algumas partidas, o pacote completo estava um tanto sobrevalorizado – além de irritante.
Contudo, a despeito de o fascínio ter diluído em todos os níveis, não se esperava a agressão verbal gratuita à diretoria. Primeiro porque não foi esta que prometeu sem cumprir. Segundo porque, parafraseando o inesquecível Orlando Drummond, deu o “maior apoio” para seu desafio olímpico. Como de bobeira demais a gente desconfia, fica a impressão de que, desde a convocação, Daniel Alves tenta provocar uma crise para rescindir o contrato e voltar à Europa. Como o São Paulo seguiu bancando o sonso feliz, inventou uma brecha para lavar a roupa suja em público. Inclusive já usando o título paulista (em cuja final não esteve) como “missão cumprida”. Resta saber se o clube seguirá magnânimo ou aproveitará o episódio para um bom acordo entre partes que, agora se reconhece, não deveriam ter se juntado.
Daniel Alves é um excelente jogador. Números e lances falam por si. Só que todas as torcidas, dirigentes, técnicos e colegas prévios aprenderam uma coisa: quanto mais perto ele se acha de ser o dono do pedaço, pior. O São Paulo e sua torcida acreditaram no inverso. Portanto, não deixam de merecer parte do que tiveram – exceto quem avisou, caso deste colunista. Mas agora já deu. O melhor é que a dívida seja rolada em muitas prestações, com o atleta encontrando outro empregador que saiba regular seu ego. Podem até agradecer, por educação, pelo título paulista. Mas sem novas lágrimas, porque algum senso de ridículo precisa reaparecer no Morumbi.