Créditos da imagem: Montagem / No Ângulo
Uma forma de jogar que não requer nenhum atleta fora de série. Prescinde de velocidade e força acima da média. Tampouco exige um craque portentoso. O único requisito indispensável é a técnica. Técnica no sentido de apuro nos fundamentos do jogo: passe, chute, desarme, posicionamento e movimentação. Este é o sonho de Pep Guardiola: um futebol bonito, competitivo e que possa ser praticado por todos. Em termos de material humano exigido, o que o Manchester City faz é o padrão de excelência mais acessível já executado. Não que seja fácil, bem entendido. A execução requer treinos. Não necessariamente muitos treinos, mas treinos muito bem feitos.
Guardiola surgiu ganhando a tríplice coroa logo na primeira temporada. Porém, não foram os títulos que mais o distinguiram. O encanto do Barcelona foi a melhora individual pelo coletivo. Incluindo, pois sim, um gênio como Lionel Messi – o único a verdadeiramente cumprir o papel de “falso nove” como imaginado. Uma década depois do título culé de 2011, o City não tem um Messi. O time titular sequer possui um nove, falso nove ou o que seja. Há um protagonista? Sim, mas não um “superprotagonista”. Quando Pep chegou ao norte inglês, Kevin De Bruyne limitava-se a ser um atacante de chute forte e muitas escolhas erradas. A cada ano, seus passes e decisões são mais precisos. Mesmo assim, o City não depende de um desempenho espetacular do camisa 17. Se o adversário se programar para anulá-lo, outros podem aproveitar os espaços. E como aproveitam.
Parece contraditório falar em estilo acessível perante a capacidade de contratar do Manchester City. Mas que jogador foi trazido como nome já consagrado? Nenhum. Guardiola prioriza atletas não tão conhecidos, que acredita serem capazes de cumprir seus conceitos. Foi assim que um time de “armandinhos” realizou cercos impiedosos a saídas de bola. Para espanto de muitos comentaristas brasileiros, o City não cansa ao fazer isso. Motivo: quando o time inteiro se adianta, bem posicionado, quem tende a se cansar é o adversário – se quiser sair da armadilha. Em Paris, mesmo imprimindo ritmo alucinante no primeiro tempo (quando poderia ter feito mais gols), o PSG perdeu duas bolas perigosíssimas na saída e quase levou o empate. Na segunda etapa, cansado, o onze francês se desintegrou enquanto a equipe inglesa, como que controlada com joystick, seguia fechando todas as brechas.
Outra vantagem de não depender de um jogador é que se pode variar os titulares. A rigor, um técnico que enfrenta o melhor City só tem certeza de que três jogadores estarão em campo: De Bruyne, Ederson e Rúben Dias. De resto, todas as funções são passíveis de escolhas. Vejamos:
- Lateral-direita: Walker ou Cancelo
- Zaga central: Stones ou Laporte
- Lateral-esquerda: Cancelo, Zinchenko ou Mendy
- Volante (quando usar volante): Rodri ou Fernandinho
- Meio-campistas: Gundogan, Cancelo, Zinchenko ou Foden
- Atacantes ou meias abertos: Bernardo Silva, Mahrez, Foden, Gabriel Jesus e Sterling
- Centroavante ou atacante solto: Bernardo Silva ou Gabriel Jesus
Com tantas alternativas criadas, não é de espantar algumas resultem em “voos de Ícaro”, similares à “síndrome do nó tático” que derrubou Luxemburgo (quando era Luxemburgo) da seleção brasileira. Foi assim nas últimas eliminações pela Champions League. Pensei que o destino seria o mesmo no primeiro tempo em Paris. Mas um simples ajuste no intervalo concretizou o que ele realmente pretendia. Na vitória em Manchester, a quantidade de gelo no gramado dificultou o estilo natural e obrigou o City a mostrar a maior evolução da temporada: linhas defensivas consistentes quando o adversário supera a marcação inicial. Com o serviço de retirada do gelo funcionando no intervalo, fechou-se de vez a janela. Enfim confortáveis em seu próprio campo, os citizens dominaram mesmo sem brilhos individuais. O coletivo já bastou para o “show dos comuns”.
Em 2019, escrevi que treinadores como Guardiola e Klopp valem mais que os títulos. Levam o futebol a padrões inéditos. O Manchester City não tem o nível e a fantasia do Barcelona de 2011. Talvez perdesse o sonhado (e, mais uma vez, não visto) confronto com o Bayern completo. Mas ouso dizer que estamos diante da mais abrangente das revoluções de Guardiola. Se outros treinadores aprenderem a concretizá-la, teremos um futebol cada vez menos dependente de talentos estrondosos e monstruosidades físicas. Talvez assim entendam que mesmo o grande craque precisa de um time para decidir. Ou perderá, quase sempre, para o time de verdade.
*não sou erudito como a menção sugere, mas é uma obra em que o autor exalta sua paixão pela mulher comum, cujos olhos não se comparam ao sol. Conheço porque é citado em música de Sting – Sister Moon.
Ótimo texto, Gustavo!
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