Créditos da imagem: nba.com
Quando eu era uma criança de classe média suburbana da década de 90, meu sonho era um vídeo game. Na verdade, era um cachorrinho, mas não deu pra convencer meus pais. Eu até tive um vídeo game. Tive dois ou três, na realidade, entre Master System, Mega Drive e Atari, o que sugere que foram três mesmo. Mas qual criança de 10 anos não queria um Nintendo 64? Ganhei da minha falecida Vó Zinha, no já tradicional esforço para agradar o “único neto”, mesmo sem laço sanguíneo, mas com afetivo de sobra. Eu era um neto de coração para uma vó de coração. Saudades da Vó Zinha.
Com o Nintendo 64, veio uma única fita, a qual não me interessei muito de início. Dado o “custo de manutenção” alto do console – um game custava uma pequena fortuna – , a solução era alugar um 007 Golden Eye, ou um Mario Kart, ou ainda e principalmente, um ISS98 (Valderrama na capa!), durante um fim de semana, pagando uns dois ou três reais (não tão barato quanto o valor sugere: 2% do salário mínimo na época!).
Mas havia o meu jogo. Aquele que me restava quando não tinha dinheiro, aquele dos dias de semana, o meu fiel companheiro, afinal, que não me deixaria na segunda de manhã. Na capa da fita, um garoto com um black power e uniforme amarelo batendo uma bola de basquete. O nome era NBA Courtside. E o jovem atleta que parecia voar com a bola era Kobe Bryant.
Basquete já não era novidade para mim. Me divertia com o NBA Jam no Mega Drive (Boomshakalaka!). E lembro que acompanhava alguma coisa dos de carne e osso: conhecia o Bulls do Jordan, claro, o Magic, dos casacos de quem ia à Disney, e também o Charlotte Hornets, cujos bonés poderia ser vistos nas cabeças dos funkeiros, sabe-se lá o porquê. Apesar do que, lembrando agora, eu gostava mesmo era do Flamengo de Oscar contra Vasco do Rogério. Aliás, o Rogério só acertava bola de três contra o Flamengo. Só não era melhor que o Helinho, a versão tupiniquim do Curry dos anos 90. Enfim, o basquete já existia para mim.
Mas a novidade daquele jogo era o moleque na capa. Sei lá, quase a minha idade. Me perguntava por quê não o Jordan, ou mesmo Barkley ou Shaquille O’Neal? Quem era aquele moleque? Era o dono do jogo, e bem, devia ser o melhor jogador. E foi jogando com aquele Lakers (Van Exel era bom de três mesmo? No jogo era) que comecei a descobri quem era Kobe Bryant. Alguma coisa aquele moleque de uns 18 anos devia ter para ser capa de um jogo.
E tinha mesmo: 20 anos depois, o mundo vai parar nesta quarta-feira, 13 de abril de 2016, quando Kobe Bryant jogará pela última vez um jogo da NBA. Será o dia do mundo se despedir do ídolo.
Para mim, entretanto, uma despedida ainda maior. Darei adeus ao cara que acabou por marcar a minha infância, e que por consequência, se tornaria o jogador preferido do meu 11º esporte favorito (os 10 primeiros são o futebol e seus derivados, entre eles Um Toque, Golzinho e Cascudinho).
Kobe Bryant atravessou a fronteira da NBA, dos EUA e do basquete. É um ídolo mundial, um rosto conhecido nos quatro cantos desse redondo planeta e com feitos que todo fã de esporte sabe: os títulos com Shaq e Phil Jackson; a camisa amarela dos Lakers, primeiro a 8, depois a 24, um a mais que a de Jordan; atuações individuais que garantiram muitas vitórias, aquela girada para trás antes do arremesso, além das bolas de três e das enterradas (que é o que interessa mesmo no basquete, vamos ser sinceros).
Em outras palavras, é o velho chavão: Kobe é o Michael Jordan da minha geração. Quem, como eu, não teve o prazer de ver a carreira completa ou mesmo o auge de Pelé das Quadras, pôde se satisfazer acompanhando de perto – ou quase – boa parte das peripécias de Kobe Bryant com a bola grande.
Mais do que isso: a despedida de Kobe, 20 anos depois de chegar na cidade dos anjos, na casa dos fãs de basquete e no meu vídeo game, marca também o fim da minha infância, ou pelo menos, do que restava dela.
Meus ídolos, ao contrário dos de Belchior, não são os mesmos. Amar aos 27 definitivamente não é como amar aos 10. O tal do tempo nos faz adquirir um olhar crítico e mais atento que acaba superando o romantismo e o lúdico do jovem sonhador impúbere.
É Kobe o último ícone esportista a sair de cena da minha geração. Antes dele, deixaram o esporte para entrarem na História nomes como Zidane e Schumacher, entre poucos outros, conectados na memória afetiva dos que cresceram no fim de um milênio e no começo de um novo. De alguma forma, esses nomes tornaram-se fios condutores entre o nosso pequeno mundinho e a vida lá fora; entre o que víamos e o que vivíamos aos 10 anos.
É por isso que nutrimos por eles total afeto e chamamos de ídolos, coisa rara hoje em dia, em que a fama e as virtudes desaparecem em duas semanas (ou dia de busca no Google). Também por isso, que na minha cabeça, bom mesmo era o Nintendo 64, o ISS do Valderrama na capa e o Flamengo de Oscar. E claro, o Kobe Bryant.
Caio Bellandi, bela homenagem! Craque é craque, não importa o esporte! 😉
Sarah Tonon