Créditos da imagem: Reprodução / TV Globo
O futebol brasileiro vive uma crise. Fato indiscutível. Desde 2012, não ganhamos sequer um Mundial Interclubes. Mesmo com nossos clubes contando com orçamentos infinitamente maiores do que aqueles de países vizinhos, não logramos estabelecer uma hegemonia na Libertadores ou na Sul-Americana. A Seleção tem como melhor resultado, desde o título da Copa de 2002, a vexaminosa semifinal de 2014, em casa, o tristemente famoso 7 a 1.
Então, é forçoso que façamos a pergunta: onde está o problema?
A mídia tem apontado vários culpados ao longo da última década. A estrutura amadora dos clubes; a ausência de uma Liga; a falta de gestão profissional. Tudo isso é verdade. Mas se tudo isso é verdade e todos os players envolvidos no mercado sabem disso, então por que não temos uma revolução que vire as estruturas de cabeça pra baixo?
Minha teoria é simples, mas polêmica e ousada: a culpa é da mesma mídia que adora apontar culpados.
Vamos lá.
Quem são os maiores nomes e programas da crônica esportiva brasileira? Vou citar de cabeça, até pra ser mais fiel com aqueles que me geram mais impacto. Comecemos pela “dona do brinquedo”, a Rede Globo de televisão. Seus dois principais comentaristas são Walter Casagrande e Júnior Capacete.
Dois ídolos dos dois clubes mais populares do país. Uma escolha que obviamente não foi aleatória. Visa a audiência. Uma escolha legítima, é certo. Cada um cuida do seu negócio. Mas que traz efeitos colaterais.
Alguém já ouviu Júnior e Casagrande fazerem uma análise tática aprofundada? Lerem e explicarem o jogo pra quem está em casa? Pelo contrário, lembro de Casagrande se gabando de não se preparar, por mínimo que seja, antes de qualquer partida. Chega e comenta. E deu.
E isso ficando apenas no aspecto do jogo, propriamente dito.
No atual estágio de evolução em que o futebol se encontra, o jogo começa meses antes do apito do árbitro.
Coisas como a gestão financeira, os profissionais com que o clube conta, a filosofia da instituição, a filosofia de jogo, os executivos, o uso ou não de scout, enfim, uma miríade de ferramentas afetam o resultado de campo.
Agora analisemos a principal “concorrente” (bem entre aspas, mesmo) da Globo no segmento esportivo da TV aberta, a Rede Bandeirantes. Seu principal expoente é o “Craque” Neto. Secundando este lumiar do pensamento esportivo, temos Denílson “Show” e Renata Fan. Renata e Denílson encenam diariamente um constrangedor showzinho de pseudosedução e paquera, enquanto apresentam resultados. Entremeado com isso, muita opinião “polêmica” e zero de conteúdo.
Mas avancemos: na TV fechada algo deve se salvar, certo? Errado!
Na Fox Sports, temos um show de horrores diário, com o principal programa de horror respondendo pelo nome de Fox Sports Radio.
E na ESPN, outrora uma tentativa de fazer um jornalismo um tiquinho melhor, em que pese sua militância esquerdista diuturna, o nível só vem caindo. A saída de seu principal nome, Everaldo Marques, para o Grupo Globo, é o sintoma mais visível da decadência. As mesas-redondas multiplicadas ao longo da programação, sempre seguindo a dinâmica da polemicazinha, emulada da Fox, escancaram o baixo nível.
Mauro Cezar, Fox e UOL, formam um “grupo” curioso: muito competente em parecer competente. Quem quer que já tenha assistido a jogos comentados por Mauro Cezar percebe o quanto ele é raso taticamente. E quem o acompanha pelo blog percebe a mesma tática do clickbait que prostitui e apequena o jornalismo opinativo.
No jornalismo impresso, temos Paulo Cesar Caju, antigo ídolo do Fluminense, pontificando sua bile no Jornal O Globo. E recentemente também na Veja. E não fica na bile: temos também uma dose cavalar de desinformação, saudosismo e pachequismo corporativista.
Quem lê Caju tem certeza que o futebol parou na Copa de 1970. Depois disso, foi só evolução física. Nada além. Quem é formado por Caju, certamente não saberá que na Copa de 1974, na qual ele deveria ter sido um dos craques mas pouco produziu em todos os jogos, a Seleção Brasileira foi colocada na roda por uma revolucionária Laranja Mecânica inventada e lapidada por Rinnus Michels.
Lendo Caju (ou Mauro Cézar, ou ouvindo Neto, Júnior e Casagrande), o torcedor brasileiro nunca fará a mais remota ideia de quem foram Béla Guttmann, Michels, Arrigo Sacchi, César Luis Menotti, Carlos Bilardo, Marcelo Bielsa e nem mesmo entenderá a importância de contemporâneos como Pep Guardiola, José Mourinho, Jürgen Klopp ou Diego Simeone.
É um apagão informacional absoluto.
Um apagão que vira terreno fértil para lendas patéticas, como o maravilhoso futebol jogado pela Seleção de 1982. Era um time de peladeiros, sem noção tática e que deixava buracos nos três setores do campo. Ganhou a duras penas de uma limitada União Soviética. E o único brilhareco na Copa foi a vitória sobre a Argentina (que perdeu muitas chances de gol quando a partida ainda estava 1 a 0 para o Brasil).
Tem também a teoria da ausência de qualquer mérito de Zagallo ao transformar na melhor Seleção da História o catadão que havia recebido do jornalista João Saldanha. Isso pra não falar nas teorias da conspiração, como a de que Zagallo só assumiu porque era um defensor da ditadura e Saldanha um esquerdista (o que a teoria não explica é como o esquerdista Saldanha havia assumido antes, em plena ditadura).
Outra é a de que a Seleção de 1994 jogou um futebol sem graça, pobre e ganhou sabe-se-lá por qual conjunção astral. Conto aos jovens, porque vi e que soem as cornetas: a Seleção de 1994 INVENTOU o tiki-taka consagrado pelo Barcelona de Guardiola e pela Espanha de 2010. Sabem esta coisa de volante-construtor? O primeiro e um dos mais brilhantes que eu vi se chamava Dunga (!) e foi na Copa de 1994.
Caminho para o encerramento.
Se o nível dos formadores de opinião é este, como esperar que o nível dos torcedores seja melhor? Se o nível dos torcedores é baixíssimo (e é), como esperar que eles cobrem gestões melhores de seus clubes? Como esperar que eles atuem para mudar a caquética e ultrapassada estrutura de Federações que mantém nosso futebol na idade da pedra?
Há duas possibilidades para que a mudança, tão necessária, ocorra.
A primeira é a aposta no fator exógeno.
Experiências como a da Red Bull, que usa toda sua expertise de gigante multinacional para gerir o futebol. Experiências como a do Athletico Paranaense, que ainda que liderado de maneira quase coronelística por Mario Celso Petraglia, adotou práticas modernas e profissionais de gestão do negócio.
Até mesmo experiências como a do Flamengo, que viu um grupo de executivos de altíssimo nível do mercado se unirem e se apresentarem na política do clube. Ou de um Palmeiras, em que um abnegado Paulo Nobre assumiu a Presidência, colocou sua fortuna para sanar o clube e também implantou uma gestão mais ou menos profissional (é pena que o legado pareça estar indo pelo ralo na parceria Galiote-Leila).
A segunda aposta é na crise. E esta está se apresentando mais forte do que nunca.
Cruzeiro, Corinthians e Santos parecem em situação muito próxima ao falimentar.
E aí, como diria o velho Karl Marx, tudo que é sólido está se desmanchando no ar.
Com os clubes tradicionais implodindo, algo novo (e necessariamente muito melhor e mais profissional) irá surgir.
Quando todo este processo estiver completo, talvez, com alguma sorte, a imprensa acabe impactada.
Há sopros, como a chegada do estudioso PVC e o já citado Everaldo Marques na Globo.
Mas quando o negócio se profissionalizar de modo generalizado, já não haverá mais espaço para tentativas toscas de buscar audiência apostando em antigos jogadores, apostando na memória afetiva dos torcedores.
Tem a ruptura silenciosa que a internet vem fazendo. Projetos como Footure F.C. e mesmo newsletters vindas de Portugal, como a do excelente Vasco Samouco, estão furando a bolha da ignorância generalizada.
Um novo mundo forçosamente irá nascer. E isso impactará a comunicação.
Oxalá este dia chegue logo!
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