Créditos da imagem: Ricardo Rímoli/Lancepress
A direção que assumiu o Grêmio na virada do último ano deixou claro sua meta para as duas próximas temporadas: reduzir custos ao máximo para reequilbrar a saúde financeira do clube.
Um respaldo valioso para esse objetivo é a construção da Arena. De trabalhosa engenharia financeira, e bastante comprometedora do fluxo de caixa, vem sendo usada como argumento de bolso para justificar a maior economia possível: é preciso pagar o grande projeto das últimas décadas do tricolor. Paulo Odone, o presidente da gestão anterior à atual, que iniciou em Fábio Koff e tem em Romildo Bolzan o substituto natural da chapa, vem sendo creditado como um dirigente que sufocou o poder de investimento do clube, despejando muitos recursos em uma obra cujas previsões de retorno mais pessimistas eram otimistas demais em um cenário de economia instável, o que teria sido comprometedor. Em outras palavras: Fábio Koff teria precisado reorganizar toda a base do negócio para viabilizar minimamente o futuro de curto prazo do clube. O que não significa que o dinheiro ressurgiria. Daí, a estratégia imperativa se mantém: redução de custos em cima de redução de custos.
O problema é que todo grande retrabalho administrativo passa por crise no seu começo. E estamos falando de um grande clube, com uma torcida ambiciosa e indiscutivelmente impaciente com a situação histórica dentro de campo. O Grêmio não conquista títulos satisfatórios há quase 15 anos, e cada temporada a mais no vazio só aumenta a ira da massa. Assim, cada péssimo resultado no mero Gauchão funciona como uma rajada de água gelada num ego já sensibilizado demais depois de tanto tempo sem retorno, e às voltas com as provocações de um rival muito vencedor nesse período. Como equacionar o tal projeto de “reestruturação” com a impaciência de quem de fato banca o alto giro financeiro do clube?
Pois um grande clube não é mais do que a sua grande torcida. Sem essa base de apoio, torna-se um objeto virtual sem importância. A entidade, como tal fenômeno, só mantém sua identidade com a audiência que gera. Cegar-se aos brados revoltados dessa audiência e bater o pé num projeto ousado de economia, visando a saúde a médio ou longo prazo, é uma medida de alto risco, cujo limite tem que ficar claro. Caso contrário, a ponderação transborda para um apequenamento indireto da instituição, com uma torcida que tende a se resignar e adaptar-se a essa política de gestão, e passa a cobrar menos do seu corpo diretivo, entendendo o discurso, corroborando com ele e aceitando que o clube tenha resultados menores.
Eu tenho visto muita gente dizendo que o clube vem melhorando sua produção no estadual; que o resultado da última rodada já foi satisfatório e que ainda é possível classificar. Ora, que tipo de desafio é este, em que um clube campeão do mundo deve se sentir realizado por obter classificação à segunda fase no estadual? O que significa isso senão uma mudança deteriorante de parâmetros? Desde quando isso tem valor? Somente quando se passa a ver tudo de maneira microscópica.
Eu entendo o esforço da direção e a resistência que os principais nomes envolvidos nesse projeto, como o treinador Luiz Felipe, estão sendo obrigados a ter nesse período. Diria que somente um nome como ele, o maior treinador da história do clube – ou quase isso – tem as costas largas o suficiente para aguentar as pressões. Mas elas existem, e incomodam, vai negar? Até que ponto é possível resistir a tanta turbulência sem ceder, abandonando o clube em nome de planos pessoais, aceitando uma proposta de trabalho tentadora, e, consequentemente, pondo por terra todo o discurso de convicção e compactuação com a política atual do clube? Sempre que leio que o treinador possui propostas do Peru ou do Japão, eu interpreto isso como uma espécie de aviso: “parem de pressionar que eu saio, pois tenho coisa muito boa me esperando lá fora!”. Chantagem? Existe entrega com chantagem? Um acordo de princípios mediante condições pode ser chamado de entrega?
Portanto, pra mim é claro: ou toda a boataria que a imprensa comum divulga sobre intenções de nomes do clube não passa disso mesmo, boataria, ou as tais convicções podem se abalar diante de uma mobilização forte da torcida. Eu assisti ao Internacional passar por um período semelhante há cerca de 15 anos atrás, na gestão de Fernando Miranda, e muitos creditam o sucesso posterior, com os títulos do período de Fernando Carvalho, a essa fase consciente, abstinente e desapegada do clube nas mãos do dirigente anterior. Mas essa visão de todo sempre esteve restrita a uma parcela mais diligente e íntima da torcida. Quem sempre levou os louros pelo sucesso foi o presidente posterior. E não faltaram tumultos políticos no clube causados pela insatisfação com aquela conduta “burocrática” no início de tudo, que quase terminou em rebaixamento em 2002.
Não estou aqui analisando o que está certo ou não que seja feito, do ponto de vista empresarial. Estou me propondo a discutir se é viável adotar essas medidas com uma instituição que depende de uma massa crítica de milhões para sobreviver, e não de um mercado consumidor neutro e frio. Que a direção atual do clube tenha isso em mente e não esteja intocável às críticas, pois poderá ter as melhores intenções colocadas água abaixo por uma onda de repúdio contra a qual não se pode lutar, com quaisquer planejamentos administrativos que sejam, por mais bem elaborados e cientificamente apoiados que sejam. O case de um clube de futebol não tem precedentes na literatura técnica clássica sobre gestão. Tem que ser tratado como um exemplo à parte. E esse tratamento passa pelo respeito ao perfil atual da sua fonte de consumo, torcida, que pode não querer saber de um “amanhã”, pois já cansou de esperá-los sem obter resposta.