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A demissão de Abel Braga pelo Flamengo trouxe ao debate alguns temas que para quem acompanha minhas colunas aqui n’O Ângulo não são novos: cultura esportiva, a função de Diretor Técnico (ou COO, como queira) e a necessidade de se fazer escolhas eficientes na hora de contratar. Falei disso em Fevereiro/18 (“Cultura futebolística e o trabalho do Diretor de Futebol“), Março/18 (“A falta de Cultura Esportiva no Futebol Brasileiro“) e Junho/18 (“Como contratar e demitir seu treinador de futebol“). Falaremos novamente, porque se era óbvio que Abel e esse Flamengo não encaixavam, faltou alguém na estrutura entender isso antes.
Mas para falar sobre isso precisamos ir para o lugar onde o assunto Futebol é desenvolvido, ou seja, a Europa. Já faz alguns anos, mas nestas duas últimas temporadas nota-se de forma mais acentuada que a função mais valorizada pelos clubes é a do Diretor Técnico (DT), que é aquele profissional responsável pela gestão esportiva do clube. Define perfis, escolhe treinador, contrata atletas. Em tempos de Fair Play Financeiro, a boa gestão do dinheiro limitado é fundamental para clubes de menores receitas baterem de frente com os gigantes, especialmente os ingleses.
O que caracteriza o bom trabalho de um DT é a capacidade de montar um lego, que começa por entender a cultura esportiva do clube, passa pela escolha do treinador que melhor se encaixa nessa cultura e montar um elenco que mescle atletas conhecidos e promessas que se transformem em milhões de euros no futuro.
No Brasil essa função é executada usualmente por dirigentes amadores, que acreditam entenderem de futebol por “respirarem o ar do clube há anos”, por terem visto “mais de 100 partidas em campo” e acompanhado “dezenas de treinos no CT”. E isso os qualifica para montar uma estrutura esportiva, basicamente usando o talento nato e feeling. Além desses há também os ex-atletas, que já estiverem em campo e podem reconhecer talentos e montar elenco com o estalar de dedos, pois “são do ramo”. E por fim, temos os contratadores, aqueles profissionais que veem um destaque e correm para contratá-lo. Normalmente “reforçam” o time no atacado, deixando custos e despesas e esperando que 1 ou 2 deem certo para mostrar o quanto entendem do negócio.
Infelizmente, ser DT na Europa não é isso.
Um DT de qualidade, tem uma equipe, que começa pelo conhecimento e entendimento da cultura esportiva de onde trabalha. E esta não é uma visão que o dirigente ou dono lhe apresenta. Ela vem com pesquisas e análises com os torcedores e com a história do clube, que lhe permite traçar um perfil claro de quem buscar. Depois entram os profissionais de scout, capazes de entregar inúmeras informações de desempenho de atletas conhecidos e de promessas.
Com essas informações o DT vai ao mercado trazer treinador, depois avaliar em conjunto o elenco existente, discutir contratações de vendas, e assim se forma o elenco. Não é da cabeça do dirigente que sai a contratação de alguém, pelo menos nos grandes clubes. Alguns exemplos: Leonardo sofreu no Milan porque trouxe atletas que não se encaixaram no modelo de jogo, como Bakayoko, Higuain e Castillejo; na Juventus nenhum atleta foi negociado e nem será enquanto o novo treinador não chegar, e essa é uma decisão de Pavel Nedved, acompanhado de Andrea Agnelli, presidente do clube. Barcelona sofreu nessa temporada por ser exageradamente fiel à sua cultura, montando um elenco que não encaixou, assim como o Real Madrid. Há até uma disputa por Luis Campos, DT do Lille e que tem proposta do Milan e de outros clubes europeus.
Hoje, se não for possível contratar Guardiola ou Klopp, é melhor investir num bom DT que seja capaz de encontrar o técnico correto e montar o elenco mais eficiente.
No Brasil, só agora os analistas e torcedores começam a entender a importância de uma estrutura e de um responsável pelo tema nos clubes. Não adianta criar comissões, chamar atletas, se a escolha é ainda à base de feeling. Errar acontece, e ninguém está livre disso, vide Manchester United e Real Madrid, dois entre as 3 maiores receitas do mundo nos últimos 10 anos. Mas a chance de errar é bem menor quando se tem profissionais especializados e suportados por uma estrutura técnica que ofereça informações.
Alguns podem ficar incomodados, mas não vejo profissionais e estruturas assim no Brasil. O Corinthians apresentou alguns resultados interessantes há alguns anos, mas aparentemente isso se perdeu. Os demais se encaixam nas características citadas anteriormente, e o clube que melhor entendeu essa lógica é o Bahia, que conta com Diego Cerri na função. O Bahia tem trabalhado o tema da cultura de forma competente, e Cerri se encaixa nessa estrutura com escolhas corretas de treinadores e elenco.
Está mais que na hora de olharmos na beira do campo e vermos a placa: sai “Achismo” e entra “Técnica”. Ou adicionaremos ao debate o importante tema da cultura e do Diretor Técnico de verdade, mas ficará restrito a poucos, ou quando ficar evidente o erro, como no caso entre Flamengo e Abel.
é isso aí e ponto.