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Humanidade e senso crítico – não deixando que um exclua o outro
Há quase 10 anos, um internauta cadastrado no FOMQ (então distante do fórum) passou a integrar a diretoria do SPFC. Um dos moderadores postou mensagem dizendo que os usuários deveriam tratá-lo com respeito. Resolvi acrescentar que seria o mesmo respeito devido a todos os demais integrantes do futebol, porque não é a proximidade que define se alguém é um ser humano de carne e osso ou um personagem fictício. Portanto, para mim o tema não é novo e lidar com ele é fundamental num debate esportivo. Só que a tendência a dicotomias gera outro risco: o de, a título de respeitar o ser humano, tornar críticas engessadas e protocolares. Como se pessoas de carne e osso devessem receber comentários robóticos.
O caso Sidão ilustrou esta dificuldade de evitar o 8 ou 80, a ponto de a humilhação ter se tornado benéfica ao humilhado. Não apenas sua atuação calamitosa, como suas últimas temporadas, ficaram em quinto plano. Para a maioria de desavisados, pareceu que foi apenas uma tarde ruim massacrada por sádicos. A título de se respeitar a humanidade do atleta, desinformou-se com um patrulhamento de adjetivações. Sob tal ótica, só se pode dizer que determinada música é uma “b…”, ou um filme é um “saco de m…”, se o compositor ou diretor for uma criatura tecnológica. Ora, são expressões do grau de desaprovação à obra. E estamos falando de arte, em que também pode haver quem ache a música ou o filme brilhantes. Já uma atuação como a do goleiro não tem controvérsia. Até um fã de cine trash (salvo santistas) achou horrível. Como apontar isso pode ser desrespeito?
Na onda da patrulha (irmã mais sonsa da censura), o site que fomentou a votação irônica pediu desculpas. Por quê? Por acaso obrigaram a votar? E quem disse que os votantes queriam a entrega do prêmio? Na coluna passada, critiquei o excesso de espaço ao “amigo internauta” (leia aqui). Mas o fato é que o espaço estava lá e podia ser usado. Inclusive para satirizar. Como quando o voto fez de um rinoceronte vereador, num tempo em que nem havia computadores domésticos. Uma diferença: o rinoceronte não tomou posse. Aí sim, os seres humanos eleitos poderiam ter se dado como ofendidos. Como na política, estar no futebol é escolher um ambiente de paixões. Consequentemente, de críticas ásperas. Suportá-las faz parte do jogo. É preciso esticar muito a corda para que sejam consideradas humilhações. Quem esticou a corda de Sidão Cacareco foi o diretor de TV, não quem o elegeu.
Como são-paulino, vi exemplos de quando a corda esticou, quando não arrebentou. A TTI não entoava o nome de Richarlyson antes das partidas. O motivo era a suposta sexualidade do atleta. Isso, tal como no incidente de Sidão, acabou tendo efeitos contrários a favor do humilhado. Anos de más atuações e destemperos foram sempre colocados na conta do preconceito. Talvez pior tenha sido a situação do meio-campista Maicon. Sua lentidão é alvo de críticas até no Grêmio, onde é ídolo e capitão. Mas sua saída do SPFC se precipitou num jogo em que foi vaiado desde o primeiro toque. Como se fosse sua a culpa por ser escalado – e como se houvesse um Gérson no banco. Maicon deu a volta por cima nos pampas. Porém, eventual fracasso posterior não justificaria a postura da torcida. O atleta deve ser forte, mas não escravo de emoções alheias. Respondeu e fez muito bem.
Em relação à responsabilidade de veículos por este limite, o FOMQ deu outra demonstração na semana passada. Realizamos enquetes do Troféu Até Minha Avó Contrataria Melhor, sobre as piores aquisições do São Paulo nos últimos 10 anos*. Entre os mais de cinquenta concorrentes, três potenciais indicados foram excluídos: Cléber Santana, Caramelo e Daniel. A razão foi óbvia – mortes trágicas. Isso não tornou descabidos termos como “Cléber Feijoada”, em referência à movimentação do meia. Mas a sensibilidade básica tinha que prevalecer. Resumidamente, é isso: o respeito ao ser humano é algo que se sente muito mais do que se pensa. Quando este sentimento diz “pronto, já deu!”, é a hora de afrouxar. Ou arcar com as justas reprimendas.
*adivinhem quem “ganhou” como goleiro…
A pergunta que eu faço é: e você? Suportaria no seu cotidiano, 24 h por dia ser humilhado dessa forma? Por que um atleta com metade da sua idade, muitas vezes vindo da pobreza tem que ser forte o suficiente pra aguentar?
Sidão tem metade da minha idade? Poxa, eu tenho 44. Vou providenciar uma foto sem barba. No mais, jogar em clube grande não é para autoindulgentes.