Créditos da imagem: Gazeta do Povo
Vai começar o campeonato nacional mais imprevisível do mundo. Eu disse “imprevisível”. Um desavisado pode olhar a lista de campeões e achar que se trata de uma competição cabeça-a-cabeça, com diversos times se revezando na liderança até o final, como no desenho animado Corrida Maluca * – com ou sem Dick Vigarista. Na verdade, o que se tem é uma versão aumentada da saudosa Bozo Corrida, com cerca de dez cavalinhos. Antes de começar, pode dar qualquer um. Mas bastam os primeiros centímetros para dois ou três se destacarem e, mais adiante, um disparar. É o que aconteceu na imensa maioria das edições desde 2003. O que não se sabe é quais cavalinhos ou clubes vão arrancar. Mas, em geral, a incerteza só permanece até o final do primeiro turno – quando muito. A coluna de hoje vai apontar os principais fatores desta imprevisibilidade.
1 – nivelamento profissional por baixo – a predominância de gestões amadoras nos grandes clubes, não raro baseada em imediatismos e outros erros várias vezes citados pelo colunista e outros do site (como Cesar Grafietti), faz com que o efeito gangorra dê as caras. O trabalho vitorioso de um ano é desmanchado. Seja porque só tinha mesmo como vingar a curto prazo, seja porque os próprios dirigentes se sabotam dando passos maiores – ou bem menores – que a perna.
2 – elencos mutantes – são poucos os clubes que começam o campeonato seguinte sem grandes mudanças no elenco que terminou o último. Além dos jogadores que são negociados em janeiro, há os emprestados que retornam aos clubes, fora os que encerram o contrato. Quanto maiores as alterações, mais difícil retomar o padrão de jogo rapidamente. O resultado é que o cavalinho que mandou bem na corrida passada tem alta probabilidade de largar mal na próxima.
3 – a farra das vagas na Libertadores – como o colega Danilo Mironga já explicou, um número exagerado de vagas para a competição sul-americana afeta o grau de aplicação dos concorrentes. Nos moldes atuais, um aproveitamento de 50 % dos pontos proporciona boas possibilidades de chegar em sexto lugar. Isso contribui para reduzir os esforços de quem começa a ficar para trás dos líderes, ainda mais se ainda estiverem disputando taça nas demais competições que também levam à Libertadores – próximo tópico. Houvesse apenas três vagas em disputa, a necessidade de somar mais de 65 pontos tenderia a aumentar o grau de comprometimento e, com isso, impulsionaria outros times para o bloco da frente.
4 – outras prioridades – todos os participantes estão envolvidos em mais de uma competição. Quem está na Libertadores normalmente abre mão dos titulares em diversas rodadas. Se os reservas não pontuarem razoavelmente nestas partidas, o time perderá pontos preciosos na disputa dos pontos corridos, ainda mais se for longe nos mata-matas. Como se não bastasse, ainda temos os que priorizam a Copa Sul-americana e, principalmente, a Copa do Brasil – especialmente agora, que a premiação para o vencedor é bem maior que a do campeão brasileiro e do ganhador da Libertadores.
5 – as janelas de contratações – julho e agosto são os meses em que os grandes centros europeus abrem os períodos de negociações internacionais. Não foram poucas as vezes em que destaques do primeiro turno foram embora na metade do campeonato. A reposição fica mais difícil porque, nestes meses, a janela internacional brasileira (atletas de fora pra dentro) já fechou. O clube tem que se contentar com reforços da segunda divisão ou jogadores encostados nos outros times da série A. Incrivelmente, até hoje ninguém corrigiu a distorção. Uma janela entre 15 de agosto e 15 de setembro já permitiria cogitar jogadores de fora, mesmo que também encostados. Assim, o clube desfalcado teria maiores chances de prosseguir na briga. Como não é o que acontece, caminha para ser menos um.
São estas as causas preponderantes para que, mesmo num campeonato com diferença de pontos tão reduzida entre o campeão e o pior rebaixado, a luta pelo topo seja bem menos áspera do que o nivelamento sugere. Sei que o prestígio de meus prognósticos sofreu forte abalo nesta semana, mas acho que desta vez não vou quebrar a cara. Dificilmente o campeonato deste ano não seguirá a mesma sequência. Antes da estreia, diversos clubes serão apontados como favoritos. Com o decorrer das rodadas, pouquíssimos sobrarão. Se é que, entre estes pouquíssimos, não veremos um time de fora desta lista. Neste ponto, não há diferença entre mata-mata e pontos corridos no Brasil. Em ambos, a expectativa é bem mais emocionante que a disputa.
*não tem nada a ver com o assunto, mas quero destacar que, há uns dez anos, o falecido jornalista e amigo Daniel Milani, o Mooca, deu-se ao inacreditável trabalho de dar a classificação final após todos os episódios, usando as pontuações da F1. Quem venceu? Os Irmãos Rocha…
Excelente análise, concordo com todos os pontos! Mas, apesar disso, realmente acho que é mesmo (e também) o mais equilibrado!
Acho que o principal motivo é que realmente acreditamos que temos 12 grandes, de modo que sempre haverá uma boa quantidade de times que se sentirão sim na obrigação de ganhar do líder. E nisso, qualquer um vai sendo humanizado e perdendo a aura de imbatível…
Pode ser um dos campeonatos em que o líder tende a ter mais dificuldade de bater um lanterna. Mas isso mesmo pode ser relativo. Hoje, por exemplo, o Manchester City foi campeão antecipado porque o United perdeu justamente pro último colocado, em casa. Sendo que, de todo modo, a proximidade de nível entre os times brasileiros não se reflete numa presença maciça na disputa do topo. Antes de o campeonato começar, cogita-se até dez favoritos (também por força dos tantos times considerados grandes). Mas logo este número se reduz drasticamente. Daí a comparação com a Bozo Corrida.
ÓTIMA CRÔNICA
Mais nivelado ou não, o problema é que todos concordam que o nível anda bem baixo!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
[…] Outros colunistas de No Ângulo já trataram desse tema, como o Gustavo Fernandes, e aproveito para retomá-lo discutindo outros aspectos. […]