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Ao final de todas as Copas do Mundo temos aquele momento de descompressão natural de quem acompanhou o futebol de maneira tão intensa por pouco mais de 30 dias. Então é hora de fazer recapitulações e avaliações sobre o que vimos e o que gostaríamos de ter visto mas não apareceu pela Rússia.
Não vou entrar no campo técnico. Neste seria mais um a palpitar de forma tão óbvia quanto alguns ex-atletas ou jornalistas que acompanham futebol pelo twitter. Talvez nem seja tão ruim assim, mas prefiro poupar os leitores das minhas convicções táticas e do meu achismo.
Por isso, minha avaliação pós-Copa é sobre um tema que começa fora se campo mas termina levantando taças e podendo separar vencedores de espectadores: vou falar de planejamento.
Antes dos meus pitacos, importante lembrar que falamos de “jogo”, esporte, onde sorte ou falta dela são parte da equação que define um vencedor ou um eliminado. A bola do Thiago Silva que bate na trave e o escanteio que desvia por acaso em Fernandinho. E isto pode mudar todo o resultado, mas não pode mudar os conceitos por trás do esporte.
A eliminação da Alemanha ainda na primeira fase trouxe o lado mais vingativo dos torcedores brasileiros, que ainda tinham o casual 7 a 1 entalado. “Cadê o planejamento?”, “De que adianta planejar?”, ou outros tantos comentários mais grosseiros ouvidos após a eliminação de Neuer, Kroos e companhia.
O erro inicial dessas afirmações nem está na dor-de-cotovelo, e sim na incapacidade de entender o que é planejamento numa seleção. Porque não se trata de uma seleção enquanto equipe, mas da estrutura do futebol de um país. E isso muda tudo.
Vamos deixar a Alemanha de lado. Campanha fraca, algumas carências claras na equipe e o processo de reformulação a partir das saídas de Schweisteiger, Klose e Lahm não surtiu efeito. É do jogo.
Assim como é do jogo analisarmos os quatro países semifinalistas da Copa de 2018. A semelhança? Três chegaram à Copa após um processo organizado, estruturado e planejado de mudança na estrutura se formação de atletas: Bélgica, Inglaterra e França.
A França iniciou este projeto ainda na década de 70 com a construção do CT de Clairefontaine, local onde as Seleções de Base e Profissional, feminina e masculina se concentram e desenvolvem. Jovens atletas de potencial são convidados a fazer parte de seu desenvolvimento técnico nessa estrutura, que 2014 foi remodelada e ampliada. Não à toa que em 20 anos ou 6 Copas a França chegou a 3 finais, vencendo duas.
Na Bélgica não é diferente. Após a Copa de 90 o país se organizou e desenvolveu uma estratégia de formação de atletas e homogeneização das estruturas táticas das seleções. Foi construído um Centro de Treinamentos, métodos de desenvolvimento de atletas foram implantados nos 32 clubes profissionais do país. Além disso a Federação, através do seu comitê técnico, define um padrão tático único para todas as suas seleções e escolhe treinadores que se adaptem a ele. Os jovens atletas de qualidade são levados a se aprimorarem nesse CT, e em todo o país há estruturas de “escolhinhas” que formam e captam atletas. Não se chegou a Hazard, De Bruyne e Lukaku apenas observando peladas por aí. Foram observados e lapidados para isso.
A Inglaterra é a atual campeã mundial sub-17 e sub-20 e da europa sun-19, e chegou à semifinal com um time bastante jovem. Desde 2014 a FA criou o England DNA, projeto que visa desenvolver atletas ingleses desde as categorias de base mais jovens, formando atletas através de desenvolvimento técnico e tático. Um padrão tático único e longas sessões de treinos para as bases, com ênfase na bola – drible, passe, lançamentos – são partes do modelo de desenvolvimento inglês, cujo objetivo é vencer a Copa de 2022.
Restou a Croácia, time mais veterano dos 4, e cuja formação é muito mais empírica, sem estruturas tão profundas como os demais. Talento natural e desenvolvimento nas grandes ligas européis. Também dá para chegar assim, mas foi 1 em 4.
Ou seja, planejamento de longo prazo, estruturas pensadas para desenvolver habilidades e capacidade de decisão. Nem sempre será possível formar um grupo completo e perfeito – a Inglaterra sentiu falta de um Gerrard ou Lampard, a França venceu sem contar com um meia cerebral e a Bélgica tinha um time mais equilibrado mas sem substitutos à altura – mas é possível evoluir.
Chegaremos a 2022 com essas 3 seleções ainda jovens e com novos atletas se juntando. Teremos a Alemanha que não se acomodará.
No Brasil, ainda caminhamos com alguma lentidão. Dependemos muito das gerações espontâneas, que são absurdamente boas e surgem aos montes. Temos uma geração jovem e já há uma turma com Vinícius Jr, Paquetá, Neres pedindo passagem. Mas falta a visão mais organizada do que nos falta para desenvolvermos potencialidades para cobri-las.
Ou corremos o risco de o planejamento continuar superando o acaso.
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É importante o destaque que a coluna dá ao fato de que planejamento não se restringe à seleção. Diz respeito a todo o futebol praticado pelos esportistas do país. A seleção é apenas o polimento, dentro do que o material humano oferece. Não é algo a desprezar, mas se mostra secundário quando comparado à formação e ao desenvolvimento dos jogadores.
Por que esse planejamento não chega aos clubes franceses e belgas?????
O planejamento chega, mas daí a questão financeira é preponderante. O futebol de clube desses países é substancialmente menor que das 4 grandes ligas européias. Aliás, a comparação correta é com os maiores clubes em receitas no mundo.
A França ainda tem a 5ª maior liga em receita no mundo, mas os clubes individualmente ainda faturam pouco com tv e publicidade em relação aos gigantes europeus.
Já a liga belga tem apenas 32 clubes, poucas receitas, e assim como a Holanda, o país se transformou num pólo formador para as grandes ligas. O Anderlecht pode até sonhar em ser campeão da Champions League, mas se contenta em chegar às 8ªs.
O dinheiro faz enorme diferença no mundo dos clubes.
A liga francesa já está forte. A liga belga ainda é fraca mesmo.
Olympique de Marselha foi finalista da liga Europa e o PSG é um dos melhores times do mundo, só falta melhorar seu desempenho em liga dos campeões.
O PSG joga em outra liga financeira porque tem um dono milionário.
E a Liga Europa é mais competitiva mesmo, é a Série B européia. Os Franceses deveriam ir melhor do que vão.
Muito bom.