Créditos da imagem: Montagem / No Ângulo
Em momentos de crise, existem macetes para fazer a arquibancada pensar que você está se esforçando. Nas quatro linhas, temos o “carrinho na lateral”, com o jogador se jogando para evitar a saída inevitável da bola. Fora do campo, se já mandou treinador embora e não tem como promover um bota fora de quem você mesmo contratou, a saída é falar em SAF. – Sociedade Anônima de Futebol. Sempre com o cuidado de assegurar que a virada será de trezentos e sessenta graus. O segredo é parecer que pretende mudar, sem realmente mudar.
Júlio Casares, que anunciou a volta do São Paulo ao protagonismo (depois de uma Copa do Brasil, terceira em ordem de relevância), sentiu ser o momento de martelar a ideia da separação do clube social do futebol profissional, com a criação de uma SAF. O pretenso protagonista tricolor termina outra temporada fora da semifinal da Libertadores, eliminado da Copa do Brasil por um time da segunda divisão e distante do bloco da frente no Brasileirão. Time mediano, resultados frustrantes e endividamento crescente. Difícil imaginar investidores sérios colocando seus milhões numa empresa de futebol, porém confiando nos mesmos gestores fracassados da associação. Mas Casares imagina. O modelo de SAF pretendido pelo São Paulo é exatamente isso.
Na SAF sonhada pelos “velhos ricos” são-paulinos, o controle acionário tem que ser do clube. Passariam a existir o SPFC SAF e o SPFC, um clube sem futebol profissional como objeto. Isso em termos, porque este mesmo clube, sem colocar um tostão, mandaria na SAF. Os demais integrantes entrariam com o dinheiro – e só. A justificativa é evitar o que aconteceu em SAFs em que o investidor foi majoritário e colocou o time em situação temerária. Como se isso não pudesse ser solucionado com o mínimo de prudência ao escolher os parceiros na SAF. Chega a ser tragicômico um clube com modelo decadente há mais de trinta anos alegar que traria menos riscos. Trinta anos? E as conquistas de 2005 a 2008? Uma interrupção quase acidental, como veremos abaixo.
Desde 1994, o anacrônico “cardealismo” foi deixando o clube fora do topo de poder financeiro do futebol nacional. O renascimento dos anos 2000 se deveu a erros dos demais clubes com a Lei Pelé. Endividado e obrigado a se desfazer do seu maior talento (Kaká) a “preço de banana”, restou ir atrás de atletas em contrato ou liberados judicialmente. Em cima dos vacilos alheios, surgiu a base da tríplice coroa de 2005 e do tricampeonato brasileiro. Mas, na medida em que os outros aproveitaram a feira ou reduziram as brechas, ficou mais difícil. Esgotada ou banalizada a fórmula, os resultados pioraram dentro e fora do campo. Não havia mais coelhos na cartola, salvo um mágico golpe estatutário que dizimou o que ainda existia de aproveitável na política dos cardeais.
É verdade que, no curto período de novas glórias, o SPFC ensaiou a modernização. Além do elogiado REFFIS, inaugurou o CT de Cotia para melhorar a formação de base. Ao mesmo tempo, o então diretor de marketing Júlio Casares gerou frisson graças a promissor contrato com a Warner. Mas era tudo… marketing. O REFFIS enferrujou. Tanto “La Cotia” não entregou o prometido, que o hoje presidente Casares quer terceirizar sua gestão. E o contrato com a Warner rendeu um Pernalonga de pelúcia e olhe lá. O show de eficiência não passou de ilusionismo disfarçado pela troca de favores com a mídia – tradicional ou não. Fora a relação pouco transparente com as torcidas organizadas, em detrimento de seu próprio plano de sócio torcedor.
Seria em cima deste know-how (?) que pessoas de negócio investiriam no que, de vanguarda, tornou-se um atraso convicto. A SAF não seria administrada pela presidência do clube, mas este definiria o CEO ou similar. Há muito se comenta que seria o próprio Casares, já como ex-presidente do SPFC. Ainda que seja outro, sob exigências mínimas de lastro empresarial, seria escolhido pelo sócio majoritário conforme suas interpretações – que podem ser muito livres – destas exigências. Não faltarão explicações de conto de fadas no estilo “entenda como associados, conselheiros e amigos da diretoria não terão voz na SAF tricolor”. Até a mula-sem-cabeça sabe que estariam todos circulando livremente, numa boa, no mesmo endereço de costume.
Os motivos para desconfiar ainda incluem o que, no futebol, não raro aparece mais que gols e defesas: os Tribunais. Por maior que seja a autonomia dada ao gestor profissional, times de advogados existem para encontrar espaços e nulidades, caso o clube-sócio majoritário e o gestor entrem em conflito sobre os rumos da sociedade e do time. SPFC pedindo ao juiz para tirar o gestor. Gestor pedindo ao juiz para mandar o São Paulo respeitar o estabelecido e ficar no seu canto. Um jogo longo, cheio de paradas e prováveis intervenções dos diversos “VARs” (segunda instância e Cortes superiores) nas decisões judiciais. A caracterização é outra, mas os bufões clubísticos seguem no palco – ou picadeiro. E o dinheiro dos investidores? Sairia pela linha lateral – com direito a carrinho inútil.
Há clubes de sócios com futebol profissional que não precisam pensar em SAF, ao menos enquanto seu modelo gestor mostrar-se eficaz. Outros, como o São Paulo, não têm apenas que pensar. A SAF seria a esperança de tirar os conselheiros apaixonados – e incapacitados – da condução do futebol, além de todos os expedientes escusos para trazer apática estabilidade. Os moldes almejados por Casares e aliados não trazem nada disso. Pelo contrário. Seriam mudar tudo para não mudar nada. Haverá quem aplauda. Matemática não é o forte de muitos e girar trezentos e sessenta graus pode ser entendido como “ousadia em dobro”.