Créditos da imagem: Pedro Monteiro/Agência O Dia
Já imaginaram se em um belo dia vocês chegarem no supermercado para comprar os mantimentos do dia e simplesmente não tiverem os ingredientes básicos? O setor de frios vazio, sem queijo, presunto ou mortadela. As estantes das caixas de leite e suco completamente às moscas? Nada no açougue? Pães, ovos, feijão, legumes, verduras, hortaliças, tudo virando matéria rara como diamantes perscrutados à exaustão em regiões distantes? Pois é. E se tudo isso fosse causado pela desconexão entre a região urbana e o ambiente rural, onde esses bens de consumo são criados, extraídos ou derivados em processos locais, antes de serem distribuídos? Seria viável imaginar a continuidade da vida no ambiente urbano? Bastante difícil. Para quem vive nas cidades, centros econômicos e regiões mais procuradas para o mercado de serviços, incluindo aí as opções do universo do entretenimento, conseguir se sustentar nesses meios sem o provimento dos bens do interior seria impensável.
Entre os serviços de entretenimento que temos, inclui-se um de grande circulação econômica, que é o esporte, mais notadamente o futebol. Na mesma dinâmica da relação de interdependência entre vida urbana e meio rural, o futebol dos grandes centros, com seus grandes clubes, também está interligado com um grande núcleo formador de atletas para o país, que são as regiões interioranas. Muito simplista eu acho acreditar que os grandes times das capitais não dependem do subsídio fornecido pelas centenas, milhares de clubes pequenos, que representam as comunidades das pequenas cidades, por todo o Brasil. Muitos dos jogadores que despontam para o mercado do futebol de alto nível são pinçados de clubes pequenos, após obter visibilidade em campeonatos que tinham atenção para com esses clubes, por diferentes razões. Portanto, eu não concordo com a teoria de que os clubes pequenos são prescindíveis e poderiam se extinguir, ou se resumirem entre si em seus universos próprios, somente porque não fazem circular tanto interesse e dinheiro. Sou contrário a muita gente que pensa que o país deveria polarizar seu investimento em poucas grandes fontes de renda no futebol. Sem a “produção rural”, esses grandes centros tendem a atrofiar por consequência.
A questão que fica é: como garantir a sobrevivência dos clubes pequenos, num cenário de discussão permanente sobre o que fazer do calendário anual deles?
É sabido que, pelo modelo atual do calendário brasileiro, a maior parte dos ditos “clubecos” possui apenas os 3 ou 4 meses de campeonato estadual para proliferar e garantir emprego e oportunidades a iniciantes da região interiorana do país, ou mesmo jogadores que migraram para esse núcleo. Terminados os estaduais, a maior parte dos atletas encontra dificuldades em conseguir trabalho no esporte. Somente alguns estados com menor influência no futebol possuem calendários desvinculados das Séries A, B, C e D do Brasileiro. Mesmo assim, esses estados não tem representatividade técnica nenhuma e ficam com seus elencos saturados ao longo do ano, inviabilizando o espaço para os atletas desempregados oriundos dos centros maiores, que também estão em faixas salariais incompatíveis com os padrões praticamente amadores desses locais.
Como garantir a sobrevivência dos clubes pequenos sem conferi-los também visibilidade, sendo que esta pode depender do convívio técnico com os grandes clubes? O fim dos estaduais é imperativo, nesse contexto, ou eles precisam se manter para o bem do futuro dos grandes clubes? O calendário composto apenas pelos certames nacionais em várias divisões, não levaria os pequenos a um anonimato perigoso para eles e para seus dependentes indiretos? Como garantir os apoios necessários para a manutenção dos sistemas de base dos pequenos, quando os clubes ficam escondidos, longe das comunidades locais?
Fácil é seguir o discurso corrente nas fileiras principais de discussão sobre futebol, aonde estão jogadores de ponta e críticos das metrópoles, que pouco se vinculam às realidades das comunidades menores. Difícil é não se deixar acometer pelo conveniente impulso de adotar a mesma linha de raciocínio de quem tem exposição nos principais microfones, e fazer uma reflexão particular sobre o melhor futuro pro calendário do futebol no Brasil. Respeitando o perfil muito especial que esse país tem em termos da sua geografia e distribuição social.
Portanto, o fim dos estaduais não depende apenas de moralização, com o fim de benefícios mútuos internos e alheios entre federações e a CBF. Mas também de que se chegue à constatação de que o formato atual é de fato nocivo para a sobrevivência de grandes, pequenos, atletas e consumidores.
Eu sou radicalmente contra os estaduais, rs, e a qualquer momento vou escrever um texto sobre isso. Concordo totalmente que é necessário que os times pequenos sejam valorizados e tenham “vida própria”, só que entendo que isso só será possível com o término da estrutura dos estaduais como é hoje.