Créditos da imagem: Marcelo D. Sants – 16.fev.2016/FramePhoto/Folhapress
Nas últimas semanas li alguns artigos abordando de maneira infantil e sensacionalista o que chamam de “privatização” do Estádio do Pacaembu. Certamente a escolha do termo não é uma coincidência, e é usada justamente para aumentar a carga dramática em cima do que é, de fato, uma concessão.
É sabido que no Brasil se convencionou tratar por “privatização” o bem público que tem sua posse definitivamente transferida para a iniciativa privada, ao passo que a “concessão” é a propriedade estatal que passa a ser administrada e explorada por um período determinado por um agente privado, retornando ao poder público em seguida.
Portanto, sendo contrário ou favorável ao modelo proposto para o Pacaembu, recomendo atenção redobrada com quem “inocentemente” fala em “privatização” do estádio.
Evidentemente o tombamento não é um impeditivo para reformas, especialmente quando se fala em demolição do tobogã. O Pacaembu é tombado não por causa do ordinário tobogã (anexo construído em 1970 em substituição à belíssima concha acústica) ou mesmo pelo interior, mas sim pela fachada de inspiração fascista – estilo marcante no Estado Novo -, de autoria do arquiteto Ricardo Severo. Isso é tão elementar, que basta ver os exemplos dos semelhantes, igualmente protegidos e remodelados Estádio Olímpico de Berlim e Soldier Field, em Chicago.
Ao mesmo tempo em que apelam (sem razão) ao tombamento como justificativa para que o equipamento se mantenha ultrapassado, chegam ao cúmulo de reclamar da possibilidade de poder receber shows. Isso justamente em um estádio que foi projetado para ser uma “arena multiuso” na época, não apenas com eventos esportivos, mas também culturais, tanto que contava até com a concha acústica para isso. Ou seja, para quem finge se importar com a história, seria de se louvar que o estádio recuperasse sua vocação original e se tornasse mais ativo no dia a dia da cidade, e não ocioso como hoje.
A verdade é que, infelizmente, o Pacaembu se tornou um elefante branco desde que o Corinthians inaugurou sua arena, em 2014. No ano seguinte, por exemplo, abrigou apenas 13 partidas. Ou alguém assume o mais clássico estádio paulistano, ou ele continuará defasado, subutilizado, onerando os cofres públicos e reduzido a parque/clube para os endinheirados moradores do entorno.
Aliás, tem muito jornalista metido a justiceiro social que vem com conversinha demagógica de “população de baixa renda que usa as instalações esportivas do complexo” e desconsidera sua localização, em meio a um dos bairros mais elitistas da cidade, residencial, ainda sem metrô e em um relevo acidentado que dificulta a caminhada. Quem de fato se preocupa com a população carente defende a instalação de clubes onde ela mora, não a obrigando a cruzar a cidade e gastar com transporte para utilizar como mera recreação um equipamento esportivo de ponta, profissional, com custos altíssimos de manutenção.
Elitista mesmo é fazer coro ao lobby das influentes associações de moradores da área, que de um jeito ou de outro, vêm conseguindo barrar shows no estádio. Algumas delas são do tipo que foram corretamente desmoralizadas há alguns anos quando seus representantes (que não representam a imensa maioria de moradores da área) falaram contra uma estação de metrô na região porque “traria uma gente diferenciada (pobre)”. É bom lembrar que desde 1935 aquela área foi destinada a receber grandes eventos, e mesmo assim, esses grupos conseguem impedir atividades que ocorrem normalmente em estádios de outras zonas.
Soluções pueris lançadas como salvadoras por pessoas sem vivência em gestão esportiva, como abrigar campeonatos de várzea ou rúgbi, são absolutamente irresponsáveis e deveriam fazer corar qualquer um que queira discutir o assunto seriamente.
Enfim, aquele Pacaembu “Maracanã paulistano” de meados do século passado, ou a casa corintiana de até poucos anos atrás, morreu. A questão é entre discutirmos maduramente os termos da concessão para definir o que queremos para as próximas décadas, ou se preferimos condenar o estádio mais charmoso de São Paulo a ser um monumento à ineficiência, financiado compulsoriamente pelos contribuintes para ser (aí sim) “privatizado” para seus poucos usuários.
– Leia também: “Elitização” não está destruindo o futebol brasileiro
Gabriel, vou compartilhar para ler mais tarde com calma.
Obrigado, Jorge! Aguardo a sua opinião, então 😉
Você foi no ponto!!!!!
Muito bom, Gabriel Rostey. 1) De fato, trata-se de CONCESSÃO e não de PRIVATIZAÇÃO, coisas bem diferentes. 2) O tombamento não é obstáculo, o tobogã de 1970 não é um elemento definidor da relevância do bem protegido. 3) Sim, o Pacabembu foi concebido, desde a origem, como estádio multiuso, basta ver a Concha Acústica (que poderia ser reinventada). 4) Quando o Corinthians desprezou o Pacaembu eu fiquei tão indignado que mandei um texto para a Folha, que não publicou. A intenção de Lula e Andrés Sanchez agora está clara. O Pacaembu restaurado e usado pelo Corinthians seria uma solução perfeita, mas muito barata para quem queria roubar na construção. 5) Eu só diria que na Concessão deve-se tomar muito cuidado para não elitizar um lugar que deve ser popular. O futebol está ficando muito caro pro povão que o ama. Comprar ingresso no Allianz Parque ou no Itaquerão é para poucos,e assinar o Première também. Sendo um próprio municipal, o Pacaembu deve servir à população de São Paulo e, preferencialmente, aos mais, como diria sem parecer petista, “vulneráveis”. 6) Eu penso que deva ser restaurado com extrema sensibilidade para manter esse astral que lhe dá tanto charme. E os grandes times paulistanos – Palmeiras, São Paulo e Corinthias – além do Santos, Ponte Preta, Guarani e outros, poderiam fazer um esforço e jogar, digamos, ao menos duas vezes por anos no velho e bom Pacaembu. Abraço.
Em termos jurídicos concessão não é privatização mesmo. Todavia, como a juridicidade é parte superficial dos fenômenos, uma superestrutura que faz as vias de casca aparente da estrutura da realidade, na prática, o tipo de concessão que se faz no Brasil acaba sendo privatização. Tenho experiência nisso tendo trabalhado em um prédio histórico tombado que se tornou museu em São Paulo, no qual, através da política obscurantista das OSs, o equipamento cultural paulista serve para deslocar dinheiro público para essas organizações privadas que passam a tomar conta do negócio. Uma concessão de facto, que não seria privatização na prática, não ficaria só nos termos jurídicos da propriedade, mas ficaria também nos termos práticos da posse. Ou seja, seria “só” concessão “sem” privatização se fosse a comunidade municipal que tomasse as decisões sobre o Pacaembu e o administrasse, permitindo investimentos privados, mas sob seus próprios termos comunitários, portanto, se a comunidade que decidisse qual o investimento privado, como ele vai ser utilizado e quanto do retorno vai ser repassado para o investidor privado. Como são os investidores privados que tomarão todas as decisões, a concessão lhes dá a posse do Pacaembu mesmo sem eles serem os proprietários, uma forma já bem conhecida de privatizar os lucros e socializar os prejuízos caso venham a acontecer, um verdadeiro roubo do erário municipal.
Não sou contra ao aluguel do estádio para shows e eventos culturais. Aliás, sou a favor da extensão desses eventos para as camadas populares da população.
Não sei quais foram as inspirações da arquitetura do estádio e do porquê da demolição da concha acústica para a construção do tobogã. Porém, é de conhecimento de todos que o estádio, a despeito de todas as dificuldades da sua geografia urbana, se tornou um patrimônio histórico das camadas mais populares da sociedade paulistana, principalmente por causa do tobogã. Isso por si só já é motivo suficiente para manter o estádio funcionando. Se não há mais a mesma quantidade de jogos de antes, que se faça projetos para incentivar os clubes paulistas a voltarem a usá-lo, extender seu uso às divisões de acesso do futebol paulista e até para a várzea, além da promoção de eventos culturais, aumentando o próprio museu do futebol que lá existe e que é muito bom. A concessão não vai diminuir os gastos públicos do município, pois sabemos que terão os impostos remunerando os amigos empresários da burocracia aristocrática da prefeitura para administrar o estádio, e faz parte das responsabilidades da prefeitura preservar esse legado popular.
Cesar Grafietti e Fernando A Fleury, isso já foi tema de uma conversa nossa aqui no Face
Lúcido. Gostei!
Gabriel, muito bom artigo. É realmente necessário e urgente buscar uma solução que reforme e dê utilidade ao Pacaembu. A concessão parece ser a melhor solução, uma vez que o poder público não tem recursos financeiros nem administrativos para isso. Sobre o tombamento, ele não inclui só a fachada, mas com certeza o tobogã é exatamente o que descaracteriza a sua arquitetura original e fico feliz ao ver que as propostas apresentadas prevem a sua retirada.
bom seria se todos os observadores urbanos analisassem as questões da cidade com essa abrangencia histórica!
Muito obrigado mesmo, Elisabete França! Fico honrado por isso vindo de você
Alguns jornalistas insistem em permanecer na adolescência…
O pior é que é verdade mesmo! Sério, um jornalista chamar isso de “privatização” é o quê? Se não for insistência em permanecer na adolescência, é desinformação deliberada (acho que os dois, na verdade)…
Juca Kfouri, Menon, Ugo Giorgetti, todos só falaram coisas lamentáveis!!!! E tá na cara que é por questão partidária, porque o prefeito não é queridinho deles!!!!!!!!
Muito bom Gabriel! Um abraço
Valeu, Alvaro! Abraço!
Não vou comentar sobre o assunto atual, só queria fazer um comentário sobre o que deviam ter feito e não fizeram.
Por décadas o Corinthians tentou comprar o Pacaembu e a prefeitura sempre deu a desculpa de que isso não era possível. Sempre lucraram caminhões de dinheiro com o Corinthians jogando no Pacaembu e com shows antes da associação de moradores do bairro começar a reclamar. Especialmente depois de 2007/8 quando o Corinthians parou de jogar no Morumbi.
Realmente, Bruno Silva, só depois que perderam o cliente preferencial é que pensaram em conceder. Enquanto tinham essa garantia de demanda, “não era possível”.
Teria sido melhor para todo mundo um “Super Pacaembu”, mas o Brasil é especialista em escolher sempre o caminho do perde-perde…
O grande mérito do teu texto é destacar o papel multi-uso que o Pacaembu já tinha lá em 1940. Meus parabéns!
Sensacional!!!
Parabéns
Muito obrigado, Ricardo Camargo!
Perfeito! Refutou os defensores do atraso com argumentos definitivos e usando a hipocrisia de Kfouris, Menos e outros.
Gabriel, excelente abordagem de tema que temos discutido no Conpresp, onde sou presidente e talvez, senão na totalidade, teus conceitos estão observados pelos nossos conselheiros e na resolução permitindo a sua desestatização.
Vou divulgar aos conselheiros este teu artigo. Como estaremos trabalhando esse tema em inúmeros outros locais, caso sesinta a vontade de nos visitar, tenho certeza que teremos muito bom diálogo!
Hoje estamos estudando o Jockey, quinta feira passada visitamos para completar nossas análises recente.
Esta segunda iniciaremos recomendações aos estudo preliminares elaborados!
Aguardaremos em etapas os estudos que serão feitos.
Parabéns!!
Cyro Laurenza
Cyro Laurenza, fico muito feliz que tenha gostado do artigo, e honrado pelo convite! Certamente tenho todo o interesse em visitá-los.
Fico muito feliz sempre que vejo homens públicos se mostrando assim abertos à sociedade e te dou meus sinceros parabéns por isso!
Abraços e obrigado
PERFEITA ABORDAGEM, FINALMENTE VI O ASSUNTO SENDO TRATADO COM A SERIEDADE QUE MERECE!
Outra coisa: conceito de tombamento de fachada é algo ultrapassado em Preservação desde a década de 1960 quando foi editada a Carta de Veneza da qual o Brasil é signatário. Portanto a discussão é mais ampla e menos rasa do que se supõe!
Prepotência partir da ideia que supõe que quem pensa diferente não está debatendo como adulto.
Excelente Gabriel Rostey
Sempre é tempo de colocar uma palavrinha aqui, como é tempo de demolir, r, aquela aberração chamada de tobogã. Uma agressão, mesmo a quem não teve a oportunidde de assistir espetáculos de alto nível na antiga concha acústica, de fato um lindo palco. Um dia a então prefeita Luisa Erundina quis desapropriar a mansão dos Matarazzo, av Paulista, centro financeiro de São Paulo, para ali instalar a Casa do Povo. Ironia, do povo que mora na periferia, muitos a 20/30 quilômetros longe do local. O Pacaembu, na verdade, na sua parte posterior, não passa de um clube particular e barato usado pela elite que ali vive…Nada contra a elite, mas sim contra a ideia do ser coantra tudo que não faz parte da “minha turma”
ainda assim os projetos apresentados são muito de concessão patrimonial, enquanto os usos ou tipos de atividades propostas são escassos.
vai acontecer aquela boa e velha história que já conhecemos, depois de ter um abacaxi desses na mão, os usos e contratações de pessoas e atividades serão feitas a preços aviltantes para os prestadores de serviço.
p.s. já estoquei pipoca pra ver a briga entre quem ganhar a concessão e a associação de moradores que veta shows após o por-do-sol no estádio.
O importante esta acontecendo: ” Debate sobre o assunto”
Parabens pela iniciativa Gabriel.
Não dá para não concordar. Argumentação séria, pesquisa histórica, e bem escrito.
Muito bom!! Parabéns!
Ótimo texto!
O que se pretende preservar vai muito além da fachada de inspiração fascista. O Pacaembu não é só sua fachada, tampouco o tobogã. O que importa preservar é a memória do futebol. E o tombamento é sim um impeditivo para as reformas. Uma pena, no entanto, que o tombamento do Pacamebu não se tenha dado por seu valor paisagístico. Assim, salvaríamos o tobogã, que há muito já foi introduzido na história do futebol. E sobre a população de baixa renda ter que ficar “escondida” na periferia, utilizando os seus parcos instrumentos urbanísticos, também, há muito já se sedimentou que essa é uma prática de exclusão a ser abolida.
[…] – Vamos falar como adultos sobre a concessão do Pacaembu? […]
Belíssimo artigo! A um só tempo, ponderado e firme. De quem se informou bem sobre o assunto e sabe sintetizar e informar o principal a ser informado ao leitor. Pena não nominar os suspeitos de sempre. Não convém, não é o caso.
Mas de faro os maiores interessados na construção do Itaquerão, antes era o Piritubao, sempre foram os ricos moradores do bairro: juízes, promotores, desembargadores, jornalistas, empresários, socialites. Não queriam mais o churrasquinho de gato, cerveja geladinha e alegria da Fiel na porta de suas casas toda semana. Como não querem shows nem sequer eventos religiosos. O Ministerio Público abriu ação na pessoa física do Kassab por permitir um evento evangélico lá. Detalhe: em um sábado à tarde e de curta duração. Também, talvez seja o único caso no mundo de cidadãos que não querem (friso meu) metro ao lado de onde moram. Que gente diferenciada!
Mas parabéns pela lucidez do artigo.
[…] está sendo simplesmente desonesto intelectualmente, como já tratei anteriormente no texto “Vamos falar como adultos sobre a concessão do Pacaembu“. Exatamente como feito no Maracanã (que foi desastrosamente concedido, mas continua sendo […]
[…] – Vamos falar como adultos sobre a concessão do Pacaembu? […]
O Pacaembu não é o Maracanã paulistano assim como o Maracanã não é o Pacaembu carioca. SP tem grandeza suficiente para ser SP.
[…] o uso equivocado da palavra “privatização” em vez de “concessão”, como destaquei neste artigo que escrevi em 2017 sobre a concessão do Estádio do Pacaembu, já denota uma inegável intenção de manipulação […]