Créditos da imagem: Montagem/No Ângulo
Um comentarista de futebol afirmou dia desses, em uma rádio local, que o jogador Anderson, ex-Grêmio, Porto, Manchester United e Fiorentina, agora no Internacional, jogou a carreira fora. E que a sua vida boêmia seria um dos motivos. Fiquei pensando nisso.
Lembrei que o agora chamado de traíra pela torcida gremista já foi herói do tricolor gaúcho na “Batalha dos Aflitos”, ao marcar o gol da vitória contra o Náutico que garantiu o título da Série B do Brasileirão em 2005. De volta ao Brasil após se aventurar com relativo sucesso no exterior, o jogador de 26 anos assinou contrato por quatro temporadas com o Colorado, com vencimentos na casa dos R$ 450 mil, que serão somados a R$ 5 milhões de luvas, divididos ao longo do contrato de 48 meses. Ou seja, se esportivamente ele parece estar “dando de ombros” para o rumo de sua carreira, ao menos financeiramente ela (ainda) é um tanto rentável.
Certo é que hoje os jogadores estão chegando aos clubes e, por consequência, ao mercado, cada vez mais jovens. Geralmente agenciados por parentes (pouco profissionais) ou por empresas e empresários (profissionais em demasia), quase não precisam pensar, argumentar ou calcular, com raras exceções. Com o que surge a pergunta: qual o suporte que esses garotos possuem para enfrentar a carnificina em que se transformou esse meio no qual as cifras são estratosféricas? E como não abandonar os estudos, já que muitos deixam suas famílias e cidades muito jovens? Falo em educação básica, nem me refiro à questão emocional de fazer parte desse moedor de carne que é o futebol profissional.
Talvez (e apenas talvez) isso possa mudar em breve através de um Projeto de Lei (do qual tratarei nas próximas linhas), que estabelece a obrigatoriedade do estudo para atletas com menos de 18 anos, profissionais ou não. Essa pode ser uma forma de auxiliar jogadores que não encontram o sucesso e a fama e, por consequência, uma boa situação financeira, mas, também, aqueles que “chegam lá”, como chegaram Piá, Jobson, Carlos Alberto, Adriano, Bernardo e tantos outros que vemos se perderem na carreira, por diferentes motivos.
Segundo o Promotor de Justiça do Ministério Público do Paraná, Murilo José Digiácomo, uma situação que tem se tornado cada vez mais comum diz respeito a adolescentes (e mesmo crianças) que, desde tenra idade, deixam seus lares para frequentar “escolinhas de futebol” mantidas por clubes ou mesmo por particulares, e passam a residir em alojamentos na companhia de outros jovens que, como eles, nutrem a esperança de, um dia, tornarem-se jogadores de futebol profissionais, ainda que precisem ficar distantes da família para tanto.
“Atraídos pela promessa de um futuro melhor, os adolescentes passam a residir em tais ‘repúblicas’ ou alojamentos em condições muitas vezes precárias, por períodos de tempo indeterminados, que podem se estender por meses ou mesmo anos”.
De acordo com o promotor, em regra não existe qualquer preocupação em regularizar a situação do jovem, não sendo lavrado qualquer documento que formalize o vínculo com o responsável pelo local e muito menos com o clube que o mantém ou, de alguma forma, recebe para fins de “teste”, “treinamento” ou “estágio” os adolescentes que lá residem.
“Como decorrência natural da informalidade, nenhuma responsabilidade em relação ao adolescente é assumida, seja no que diz respeito a seus direitos trabalhistas e previdenciários, seja quanto ao exercício de seus direitos fundamentais básicos, não havendo preocupação em assegurar sua matrícula, frequência e adequado aproveitamento no sistema de ensino, assistência médica (inclusive sob o ponto de vista psicológico) e, muito menos, de estimular e promover a manutenção e/ou fortalecimento dos vínculos familiares”, argumenta.
Só para exemplificar que nem tudo são flores e glórias nos campos e fora deles, o site extra.globo.com lembra que para a imensa maioria dos profissionais do esporte no Brasil (informações da CBF) a realidade é cruel: dos 30.784 jogadores registrados no país atualmente, 82% recebem até dois salários mínimos — no grupo, estão inclusos os atletas que jogam até de graça. Na outra ponta, um número bastante modesto de “sortudos” (2%) embolsa acima de R$ 12,4 mil, 20 salários mínimos. Neymar, por exemplo, ganha 241 vezes esse valor.
Atleta deverá concluir nível médio
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania aprovou (em 23/09/15) projeto do deputado José Stédile (PSB-RS) que torna obrigatória a matrícula escolar de atleta com menos de 18 anos que não concluiu o ensino médio (PL 1.702/11). O projeto recebeu parecer favorável do relator, deputado Glauber Braga (Psol-RJ), que acolheu a versão aprovada pela Comissão de Educação. Como tramita em caráter conclusivo, a proposta será remetida ao Senado.
A exigência vale para os atletas profissionais, os beneficiários do programa Bolsa-Atleta e os desportistas vinculados a entidades formadoras de novos talentos. Na proposta, os clubes e as entidades são considerados responsáveis pela matrícula e pelo acompanhamento escolar do atleta.
O PL 1702 altera as leis Pelé (9.615/98) e do Bolsa-Atleta (10.891/04). Segundo o texto aprovado, caberá à entidade de prática desportiva empregadora manter sob sua guarda documentos comprovando matrícula e frequência mínima dos atletas profissionais e em formação. Eles devem comparecer em 75% do total de horas letivas de cada bimestre.
Atletas profissionais
Como previsto na Lei Pelé, no caso de rescisão antecipada de contrato pelo não cumprimento das obrigações relativas ao atleta profissional menor de 18 anos, o Projeto de Lei determina o pagamento de cláusula compensatória.
De acordo com a lei, o valor da cláusula compensatória é definido entre o atleta e o empregador, tendo como limite o total de salários mensais a que teria direito o atleta até o término do contrato.
O contrato também será extinto antecipadamente quando o empregador deixar de conceder ao jovem empregado tempo necessário para a frequência às aulas, assim como desrespeitar princípios de bons costumes e regras de segurança e de medicina do trabalho.
Atletas em formação
Em relação aos atletas em formação, o texto define os critérios que levam à rescisão antecipada dos contratos. O contrato, cujo prazo é limitado a cinco anos, segundo a Lei Pelé, será extinto quando houver:
•desempenho insuficiente ou falta de adaptação do atleta em formação;
•falta disciplinar grave;
•ausência injustificada à escola que implique perda do ano letivo;
•a pedido do atleta em formação; e
•por descumprimento, pela entidade ou clube, da obrigação de manter alojamento e instalações adequados e também de ajustar o tempo destinado à efetiva atividade de formação do atleta, não superior a quatro horas por dia, aos horários do currículo escolar ou de curso profissionalizante, além de propiciar-lhe a matrícula escolar, com exigência de frequência e satisfatório aproveitamento.
O substitutivo determina ainda que a entidade pagará multa, conforme regulamento, com valor mínimo de R$ 500 e máximo de R$ 50 mil, se descumprir quaisquer obrigações relativas a atletas profissionais e em formação menores de 18 anos que não tenham concluído o ensino médio.
Na maioria dos casos, as multas serão aplicadas tantas vezes quantos forem os atletas menores em desacordo com a lei, sendo calculada em dobro em caso de reincidência. A aplicação das penalidades caberá ao Ministério do Trabalho.
Difícil imaginar os empregadores e clubes cumprindo a lei se de fato ela vingar. Mas defendo que tudo que vier a favor de uma formação mais completa para um jovem atleta, vale a pena apoiar.
Embora não se possa garantir, é de se supor que com o mínimo de estudo o jogador tenha mais discernimento para a tomada de decisões na sua vida. Tanto pessoal quanto profissionalmente.
Que assim seja.
Uau Lena, artigo excelente! E sobre um assunto que eu desconhecia totalmente.
Eu sinceramente não sei o quanto os casos citados no texto seriam diferentes graças à educação formal, pois creio que no Brasil imaginamos que a escola tem um poder de formação muito maior do que o real, e acabamos desconsiderando um pouco aspectos que me parecem muito mais determinantes, como a rede social e a família.
Mas é claro que é ótimo que esses garotos tenham a oportunidade de estudar e seguirem a vida normalmente, como qualquer outro cidadão com formação escolar. Uma bola dentro 😉
Valeu Gabriel, eu sempre me impressionei com as dificuldades enfrentadas pelos times e jogadores do interior.Na verdade os jogadores que ganham bem e conseguem se qualificar depois de abandonar o futebol, são exceções. Acredito que com mais preparo ou formação acadêmica as pessoas possam ter mais opções e tomar decisões mais apropriadas. E creio, que com esses profissionais não seria diferente.
Texto sensível e oportuno, Lena. Entendo o pensamento do Gabriel Rostey, mas penso que a escola tem sim esse poder de transformação, inclusive na vida pessoal dos cidadãos. A formação acadêmica pode e deve andar junto da familiar. Em uma sendo boa, pode “puxar” a outra pra cima. Sem falar que na escola tb aprendemos a viver em sociedade, respeitar o próximo, trabalhar em grupo, sofrer frustrações etc. É claro que o meio influencia o homem, mas se esse homem tiver uma formação boa, o caminho poderá ser melhor trilhado. (Mais um) Gol NO ÂNGULO! 😉
Bad boys, chinelinhos e vítimas de um país sem estudo.
Chinelinho…
Nenhuma das 3 opções, são todos maus caractetes, pelo menos esses 6 ai.
Cabeça fraca
Eh. Esperto é quem faz doutorado pra ganhar 2 mil a mais.
Triste de um país que tenha que obrigar seus jovens a estudar. Isso deveria partir dos clubes (de cabeça aqui agora, lembro que Vasco e Cruzeiro tem escolas na sua base).
De qualquer forma, o ponto de vista está excelente. A formação escolar, apesar de não ser preponderante, poderia evitar que alguns desses jogadores (e não só esses mais cotados, mas principalmente os menos afortunados) jogassem suas vidas foras em troca de uma carreira que por muitas vezes não dá certo.
Jb Barba mau caráter é quem rouba mata, não quem não deu certo no futebol,que conceito hein…