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Encerrada a Copa do Mundo de Clubes em seu modelo novo, com 32 equipes, podemos fazer um resumo da competição com seus prós e contras, além das perspectivas sobre o futuro dos participantes e do torneio em si. Vamos aos tópicos.
1 – os times – compreensível e lógico que os campeões continentais do período seletivo fizessem parte, mas o ranqueamento para as demais vagas continentais é falho. Já era de se imaginar que campeões continentais anteriores viessem em pior momento do que estavam quando venceram (assim como o PSG pode estar em 2029), mas o complemento por ranking entregou dois times, Porto e Salzburg, que nem o torcedor das próprias equipes entende como estiveram na disputa. Isso gerou pelo menos dois grupos de nível técnico muito abaixo dos outros. Especialmente o grupo do Porto, onde já estava o representante local – presumidamente mais fraco que os demais cabeças-de-chave. Para uma eventual nova edição, a sugestão mais óbvia é que o desempenho nas ligas (com pesos conforme o nível) ganhe relevância.
2 – clima e condições de jogo – já não era humano colocar equipes sob calor impraticável nas Copas do México e dos EUA (1994). Com a exigência física do jogo em 2025, isso beira o criminoso. Para piorar, a legislação para situações de risco de tempestades com raios gerou atrasos e interrupções que não apenas prejudicaram as transmissões, como quase alteraram a história de uma partida de oitavas de final. O efeito climático foi bem mais influente nas primeiras semanas, especialmente com as equipes menos habituadas a jogar sob alta temperatura – mais ainda nas que já estavam mais desgastadas ou voltando de descanso. Com o passar das partidas, houve uma adaptação graças às cinco substituições e a dosagens de ritmo. Espera-se que uma nova edição escolha sede ou época de temperatura suportável. Lembrando que a Copa do Mundo será disputada sob o mesmo calor.
3 – estágios físicos e preparação prévia – centrando a análise em América e Europa, vimos os clubes do primeiro continente atuando predominantemente em meio de temporada, além de dez dias (em média) de treinos antes da estreia. Por sua vez, nenhum time europeu chegou aos EUA em condições de planejar um pico de desempenho. Além da temporada com torneios continentais turbinados em relação a 2024, houve a temível Data FIFA uma semana antes. Alguns conseguiram dar duas ou três semanas de férias à maioria dos jogadores e entraram no Mundial como pré-temporada. Outros só puderam estender a temporada vigente. Como “sui generis”, o Real Madrid fez as duas coisas. Estendeu a temporada e também usou o torneio como pré-temporada para ajustar os conceitos do novo treinador – o que não ocorreu muito bem nas semifinais. A partir das quartas de final, com os demais sentindo a sequência de jogos em tiro curto, a disparidade física a favor destes foi atenuada o suficiente para a superioridade técnica prevalecer (embora mais vulnerável que de costume).
4 – nível técnico – com os fatores acima, o torneio foi nivelado por baixo em comparação com os principais campeonatos e copas europeias. Por outro lado, estes mesmos fatores provocaram maior equilíbrio (ou menor desequilíbrio) entre Europa e resto do mundo, inclusive com as primeiras derrotas europeias antes de um jogo final desde Vasco x Manchester United, em 2000. Não foram apenas os sul-americanos que superaram um longo tabu. O local (Inter Miami) teve seu triunfo, assim como um asiático (Al-Hilal), este em mata-mata contra o consagradíssimo Manchester City. Além destes resultados diferentes, o nível técnico médio acabou sendo superior ao do Mundial no formato anterior, no qual quase sempre o campeão europeu conseguia vencer seus jogos em ritmo mais fraco e com poucos riscos. O produto final foi claramente inferior ao que se tem de melhor na Europa, mas indubitavelmente superior ao que se vê fora dela – incluindo a cada vez mais pobre Libertadores.
5 – impacto pós-competição – para quem está em meio de temporada, a disputa de um torneio de tiro curto no meio afeta o desempenho. O próprio planejamento por um pico de desempenho no meio provoca isso. Os times levarão algumas semanas para recuperar o nível físico e técnico. Alguns mais que os outros. Quanto a quem está no fim ou começo de temporada (de acordo com a escolha do item 3), os impactos tendem a ser mais duros. No caso europeu, considerando as exigências da temporada anterior e da que virá (culminando com a Copa do Mundo), as consequências podem ser piores, incluindo lesões sérias. O recomendável é que procurem um descanso completo, mesmo que isso represente perda de pontos nas ligas nacionais e na Champions League. Largar a toda pode significar voltar a pé – ou de maca – para os boxes.
6 – público – nos estádios americanos, foi necessário reduzir violentamente os preços dos ingressos. A final 100% europeia teve procura fraca. Fora do estádio, tirando uma ou outra exibição de torcidas brasileiras, não se viu clima de Copa algum. Em âmbito televisivo, manteve-se a escrita histórica dos mundiais. Os torcedores europeus pouco acompanharam (normalmente só parte das torcidas dos participantes) e, no mais, apenas tivemos os interessados em torcer a favor ou contra. Em termos intercontinentais, o público segue preferindo as seleções e deve seguir assim. O sujeito dos anos 90 que profetizou uma Copa de Clubes superando a Copa do Mundo é tão paspalho quanto o que previu a supremacia africana em vinte anos – se não for a mesma pessoa.
7 – times brasileiros – com todos classificados para as oitavas, dois para as quartas e um na semifinal, foi uma campanha nacional acima das expectativas gerais. Certamente o que quase ninguém esperava é que o Fluminense, teoricamente o pior dos quatro, seria o mais bem sucedido. Foi um futebol de repertório pobre, mas competitivo e amparado em Fábio, Thiago Silva e Arias – talvez o melhor do torneio. A despeito de ter chegado mais longe que Botafogo e Flamengo, considero que o Palmeiras teve o pior desempenho. Não só por ter sido o único que não venceu um europeu, mas principalmente pelo conteúdo muito fraco. Só conseguiu se impor contra um Botafogo sem pernas após se classificar numa chave hercúlea. Penou para empatar contra o Inter Miami e, ao contrário do que os pachequistas disseram, foi eliminado com justiça pelo Chelsea. O Flamengo tinha o melhor elenco, mas deu azar ao enfrentar o Bayern nas oitavas. Numa decisão do treinador que discutirão eternamente se foi corajosa ou arrogante, usou o confronto para medir seu padrão contra um grande europeu. Somente conseguiu esperança nos momentos em que o time alemão reduziu o ritmo, por razões físicas. Ainda está bem mais perto do nível nacional que do Velho Mundo.
8 – e aí? Rola outra? – vai depender quase exclusivamente de a FIFA conseguir que seus parceiros sigam enfiando dinheiro para as altíssimas premiações prometidas, num torneio de alcance comercial com as restrições do item 6. Se isso acontecer, é possível que os clubes europeus (indispensáveis) concordem com uma segunda edição, dependendo também dos efeitos físicos que esta tiver provocado na prática. Neste caso, provavelmente sob condições climáticas e de calendário mais generosas com as óbvias estrelas do evento. Por isso mesmo, apesar das elogiáveis campanhas brasileiras, com o passar do tempo ficará uma sensação de oportunidade perdida. Até porque não há motivos para acreditar que o futebol brasileiro tomará as providências imprescindíveis para realmente aproximar o nível técnico e tático do que se faz na Europa.