Créditos da imagem: Montagem / No Ângulo
Temporada 2020 começando e temos muitos assuntos no mundo das finanças e dos negócios no futebol. Para não deixar nada para trás, vou listar alguns, e depois vamos explorá-los com mais calma:
Orçamentos dos Clubes
Começaram a aparecer os orçamentos de alguns clubes. Minha ideia é entrar no detalhe de cada um e avalia-los ao longo dos próximos dias.
Orçamento é uma peça fundamental em qualquer indústria e a base de qualquer gestão. Ainda que haja uma ideia de que o futebol é algo sobrenatural e complexo, posso garantir que a maior parte das indústrias também é, e mesmo assim ninguém vive numa realidade paralela.
Os orçamentos que vi até o momento contém uma boa dose de otimismo. Vemos desde receitas que crescerão mesmo tendo se mostrado frágeis nos últimos muitos anos, chegando à capacidade de cortar custos que, assim como unha, nunca pararam de crescer.
No final, os clubes terão receitas enormes, custos menores, serão racionais nos investimentos, venderão seus atletas jovens e tudo dará certo. Lembro apenas que futebol é uma atividade de enorme risco de performance, e no Brasil quando o clube não performa bem, os resultados financeiros são catastróficos.
Ao longo da semana falaremos mais sobre isso, com os clubes que já recebi orçamento (Flamengo, São Paulo, Corinthians, Internacional, Atlético Mineiro, Ceará, Bahia e Palmeiras). Aguardem.
Clube Empresa na Itália
No último dia do ano passado li um artigo do PVC intitulado “Gigantes da Itália vendidos mostram que clube-empresa não é milagre”. Bem, o artigo parte da premissa que os clubes italianos viraram empresa e não obtiveram resultados. Na minha visão a premissa é outra: os clubes já eram empresa e continuam sendo dominados por outra, melhor gerida.
Primeiro ele fala que a Roma está sendo vendida por James Pallotta após 8 anos de sua compra junto à família Sensi sem ter conquistado títulos. Lista que o clube foi campeão italiano em 1942, 1983 e 2001. Logo, temos duas informações: o clube já era empresa antes de ser comprado por Pallotta (e foi vendido pela família Sensi porque a filha de Franco Sensi não queria permanecer à frente do clube), e a equipe venceu apenas 3 títulos nacionais antes de Pallotta. Logo, venceu quando era empresa e não deixou de ser vencedor por ser empresa.
Ainda cita que no período de Pallotta o clube viu a Juventus se tornar hegemônica, como se a história de títulos do Campeonato Italiano não estivesse nas mãos da equipe de Turim (35 títulos) e dos milaneses Milan e Inter (18 títulos cada,), sendo que o próximo mais vitorioso é o Genoa, com 9 títulos.
Daí cita o Milan vendido por Berlusconi ao chinês Lee e depois ao fundo Elliott (que não foi venda mas execução de garantia por dívida não paga), ignorando que Berlusconi já era dono. Cita a Fiorentina vendida pela família Della Valle para Rocco Comisso, deixando de dizer que foram os Della Valle que compraram o clube e o trouxeram da Série D para a Série A, e mantiveram o clube saudável financeiramente. Outra citação que supõe que ser vendido é um problema é a do Bologna, comprado por um grupo liderado pelo canadense Joey Saputo em 2014. O Bologna foi comprado porque já era uma empresa, e sua última conquista foi em 1963-1964. Ou seja, não foi a venda para Saputo que diminuiu o brilhantismo do clube da bela Bologna.
Por fim, lembra que a Internazionale foi vendida por Massimo Moratti aos chineses do grupo Suning, mas naturalmente não cita que Moratti havia comprado o clube em 1995, nem que entre 2012 e 2016 parcelas minoritárias foram sendo negociadas porque a família Moratti queria sair do negócio, e o clube enfrentava dificuldades em função de quebra de regras do Fair Play Financeiro. Após 3 anos de ajustes financeiros, os atuais donos puderem finalmente voltar a investir na atual temporada e lideram a Série A italiana.
Isso tudo e ainda fica a sensação de que a hegemônica Juventus é uma robusta e tradicional Associação e não uma empresa de capital aberto, controlada pela família Agnelli.
Contar a história pela metade não ajuda a desenvolver o debate. Clube Empresa não é a solução de todos os problemas, mas num mercado em que todos são empresas, aqueles que forem melhor geridos serão mais vitoriosos, como associações bem geridas serão vitoriosas. A Juventus é uma empresa, pensada e gerida como uma empresa do segmento de Futebol, com todas as dificuldades e estratégias que o setor demanda. Onde todos são empresa, só uma empresa será campeã. Onde todos são associações, uma associação vencerá. O que importa é a capacidade de gestão.
Flamengo Hegemônico
Já tivemos o Soberano, o Real Madrid da Zona Leste, o Clube da Cor da Inveja, e agora temos o clube que está em Outro Patamar.
O futebol é pródigo em criar situações de hegemonia, especialmente no Brasil, onde quem tem um olho é rei. Mas porque as gestões se perdem em vaidades ou caem em armadilhas de acreditar que chegaram ao ápice, os clubes acabam jogando por terra os anos de conquistas e abrem espaço para novos hegemônicos.
Primeiro, o Flamengo não é hegemônico. Apenas teve um ano espetacular, com conquistas importantes e jogando um futebol com qualidade muito acima dos demais. Hegemonia é o que existe na Itália com a Juventus, na França com o PSG, na Alemanha com o Bayern Munich, inclusive com ameaças reais à perda dela na Itália e na Alemanha.
Naturalmente que o Flamengo se coloca numa posição confortável de receitas que lhe permite ser o grande favorito a manter elencos fortes e conquistas. Mas a sensação de que “só o Flamengo derrota o Flamengo” é o primeiro passo para ignorar o risco real de ser surpreendido, ainda mais quando o clube parece querer jogar contra ele mesmo.
Red Bull Bragantino
Muito se fala do momento do Red Bull Bragantino. Vamos brevemente avaliar seu modelo e pensar juntos sobre estratégia e futuro.
O perfil do Red Bull Bragantino é o de clube global, que tem braços espalhados em diversos mercados. A ideia básica é ser forte em mercados secundários, como Áustria, Estados Unidos e Brasil, tendo um clube vencedor e forte num mercado grande, que é o caso do RB Leipzig. Nada diferente do que faz o City Football Group com o Manchester City e seus diversos clubes pelo mundo. A diferença entre eles é que enquanto o City parece querer transformar a marca e estrutura num negócio, inclusive vendendo partes como fez recentemente, a Red Bull tem a exposição de sua marca como principal aspecto de negócio. E faz dinheiro vendendo atletas que contrata por pouco e vende por muito. Nesta temporada o RB Salzburg vendeu 7 jogadores acima de € 10 milhões, sendo o destaque Erling Haaland por € 20milhçoes para o Borussia Dortmund e Takumi Minamino por € 10 milhões para o Liverpool, que no passado contratou Sadio Mané do mesmo clube.
No Brasil a estratégia tende a ser a mesma: ao chegar à Série A o clube deve investir em jovens com potencial de desenvolvimento, formar equipes fortes a ponto de ocupar as primeiras posições dos campeonatos, e posteriormente vender os atletas para seus clubes na Europa (ou mesmo para outros clubes).
Uma questão que precisa ser analisada está relacionada à capacidade de investimento do clube. Na Europa, com as regras do Fair Play Financeiro da UEFA, a Red Bull não pode representar mais que 25% das receitas do clube, levando a uma certa limitação na injeção de dinheiro. A forma de operar, então, é com uma gestão eficiente do elenco, montado com jovens de qualidade e reforçado a partir de suas vendas.
No Brasil, onde ainda não há regra de limitação de aporte de dinheiro para cobrir custos e despesas, o clube que tem torcida pequena em Bragança vai operando livremente, contratando e bancado custos com receitas de patrocínio, que foi o que ajudou na conquista da série B de 2019. Quando houver controles, já amplamente conhecidos pelos acionistas, teremos que acompanhar a estratégia.
Mercado de Reforços dos Clubes Brasileiros
Todo mundo está vendo que o mercado de reforços dos clubes brasileiros anda bastante lento. Natural. Primeiro porque os clubes estão sem dinheiro. Não dá para fazer o milagre da multiplicação dos atletas se o clube já encerrou 2019 cheio de dívidas, com déficit gigante, custos elevados e receitas de lado.
Não é por acaso que todo mundo fala em cortar investimentos e custos. E em vender atletas. A equação é simples:
• Tem que vender atleta para diminuir o problema que veio de 2019;
• Tem que vender atleta para reduzir o problema que virá em 2020;
• Tem que cortar custos, mas os atletas que serão vendidos – se forem – são os jovens que custam pouco em folha;
• E se todo mundo tem que vender e a maioria não consegue comprar, o mercado paralisa e fica dependente de poucos clubes: Flamengo, Grêmio, RB Bragantino e alguns clubes europeus;
• Considerando que esta não é a maior janela de transferências, a chance de venda diminuiu. Sem vendas, não tem dinheiro para investir;
Os itens acima são dados do problema, que é bem complexo: como reduzir custos, vender atletas, reforçar o elenco (mal montado, desequilibrado e caro) e ser competitivo?
Pois então alguns clubes optam por amassar a folha que tem o problema, ignorar que existe e lançam mão das velhas estratégias que nunca dão certo: buscam parceiros para contratar, contam com patrocínios que nuca chegam ou chegam bem menores que o ideal, e muitas vezes isso só vira mais dívida e mais problema a ser resolvido com venda de atletas que não acontecem, porque os compradores estão mais seletivos. Pagam caro mas querem atletas jovens e de qualidade acima da média.
Pois é. Não está fácil para quase ninguém.
Brexit no Futebol
Para ajudar os clubes brasileiros eis que temos a chegada do Brexit. Não espero grandes alterações, mas o que vem sendo discutido é uma redução no limite de estrangeiro nos clubes, que sairia de 17 para 13. Além disso, as regras de imigração seriam apertadas, com maior restrição à entrada de atletas estrangeiros “comuns”. Segundo estudo de Laurie Shaw da Universidade de Harvard, dos 1.022 atletas europeus que chegaram à Premier League entre 1992 e 2018, 518 não seriam aceitos se as regras para não europeus fossem aplicadas a eles. Casos como Kanté e Mahrez, campeões com o Leicester City não existiriam.
Isso significa que haverá maior concentração de atletas de alta qualidade, mas diminuição no número de atletas estrangeiros, o que deve irrigar as demais ligas com europeus que hoje atuam na Premier League. Logo, será menos espaço para contratações de atletas brasileiros.
Além disso ainda há uma discussão sobre a idade mínima para contratações. Atletas que chegam aos clubes ingleses hoje com menos de 18 anos são considerados como “formados em casa”, e por isso ficam fora da conta de estrangeiros. Há um debate em relação a isso e nenhuma definição sobre mudanças.
Ou seja, há uma chance não desprezível de vermos cair ainda mais o interesse por atletas brasileiros num primeiro momento, dificultando ainda mais o processo de venda de atletas brasileiros. Numa conta simples, se cada clube das duas principais ligas inglesas tiver que vender 3 atletas, estamos falando em 132 atletas que buscam mercado em outras ligas europeias.
É assim que iniciamos o ano. Muitas incertezas, desafios e promessa de muitas movimentações envolvendo futebol, finanças e gestão.