Créditos da imagem: DIEZ
O Sequestro de Bolívar na Casa do Rei
Bolívar é um nome comum no Sul. Falo isso porque sou gaúcha e sei que todo mundo conhece alguém com essa alcunha por aquelas bandas. Bolívar também foi o primeiro Terra Cambará, fruto da união de Bibiana com o Capitão Rodrigo na saga O Tempo e o Vento, do mestre Érico Veríssimo. Penso que essa familiaridade “bolivariana” nos pampas se explique, talvez, pela proximidade do Rio Grande do Sul com a América Platina. Símon Bolívar, San Martín e José de Sucre foram alguns dos líderes políticos que libertaram a América do domínio espanhol. Eu tinha doze anos quando descobri que o torneio sensação do início dos anos 90, tinha o nome em homenagem aos antigos heróis sul-americanos: os Libertadores da América.
No ano de 1995, a única coisa que uma criança colorada poderia fazer era torcer para que o Atlético Nacional vencesse naquele ano. Porém, toda minha ziquizira não foi suficiente para impedir que o Grêmio fosse Campeão da América. Restou-me, como consolo, “roubar” as justificativas paternas alegando que a Libertadores não era grande coisa e que bom mesmo era ser Campeão Nacional Invicto em 1979 (!!!).
Não posso negar que havia um fundo de razão no desdém do meu velho. A Libertadores nos anos 60 e 70 era uma verdadeira carnificina, marrenta e catimbeira. Os anos dourados do futebol brasileiro pareciam não combinar com a bronquice dos gramados hispânicos. E durante 20 anos apenas dois times brasileiros venceram o continental: o Santos de Pelé, bicampeão em 62 e 63, e o Cruzeiro, em 76.
Mas a verdade é que fazer pouco-caso da taça Libertadores da América não fazia sentido para quem cresceu nos anos 90. A última década do século XX nos deu de presente Barrados no Baile, SOS Malibu e a nova flor de obsessão do futebol brasileiro: A Taça Libertadores.
Essa virada nos ânimos do torcedor é -em boa parte- culpa do Telê. O técnico que sofreu a tragédia de 82 conseguiu vencer um mundial dez anos depois, em 92 e 93, com o São Paulo. Mas antes de dominar o mundo, Telê precisou conquistar a América. E depois do feito do Tricolor Paulista, todo mundo queria disputar o continental. Gosto de pensar que Telê nos fez desejar ser latinos.
Se descobrir latino é olhar para aquele espelho narcísico, vez ou outra constrangedor. Jogar e pelear com nossos hermanos nos mostra que estamos mais perto do Defensores Del Chaco que do Borussia Dortmund. E convenhamos que Libertadores da América é um nome muito mais charmoso que Liga dos Campeões. Os estádios esburacados, os problemas de arbitragem, a latitude da Bolívia, a Bombonera, o Mineirão, são nossos e só nossos. Nossos hinchas são nossos. A Inglaterra tem seus hooligans e ninguém tirou a Premier dos gramados ingleses após Hillsborough. Lidar com nossos achaques só nós torna conscientes do que somos.
Por isso, é muito simbólico que, no mesmo ano em que nenhuma seleção sul-americana passou das quartas de final na Copa do Mundo, a Confederação Sul-Americana de Futebol considere razoável levar a final da Libertadores para a Espanha, após não conseguir resolver um caos interno. O que a Conmebol propôs é uma das maiores ofensas da história do futebol. Nada justifica levar a final entre River e Boca para o Santiago Bernabéu, nada.
Como pode a final do torneio que presta homenagem ao “Libertador” Símon Bolívar ser disputada na casa do time do Rei?
“Devolvedores” da América?
Presentes!