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Na semana passada, comentei a respeito do valor das ações do Manchester United, cujo desempenho recente altista parece mais com um movimento coordenado do que uma valorização espontânea, baseada apenas em aspectos reais e mensuráveis. Obviamente que quando falamos de mercado acionário são poucas as vezes em que “real” e “mensurável” completam alguma frase relacionada a “valorização” ou “desvalorização” do ativo. Ainda assim, é natural que movimentos desse tipo tenham alguma base que os justifique.
Nesse sentido, vou dar sequência ao tema trazendo outros clubes europeus de futebol com ações em bolsa, de forma a criar um pouco mais de comparação. Em 2017, pelo Itaú BBA, divulguei um estudo com os 10 clubes mais representativos do mercado de ações, comparando o desempenho das ações com o desempenho esportivo. Naturalmente que não encontramos nenhuma correlação clara, e confirmamos apenas que são ativos de baixa movimentação e controle concentrado nas mãos de poucos acionistas.
Ou seja, o clube ser de capital aberto muda pouco sua estrutura de gestão, exceto pela maior governança esperada de uma S/A de capital aberto, com informações divulgadas trimestralmente, fatos relevantes e controles mais rígidos. E isto está longe de ser supérfluo, pelo contrário. É esta governança que defendo para os clubes brasileiros, de forma que isso permita mais transparência e, consequentemente, maior interesse de investidores e patrocinadores no futebol local.
Lembro que enquanto o Futebol Brasileiro absorve cerca de 0,60% do Investimento Publicitário feito no Brasil, o Futebol Francês abocanha mais de 3% do que se investe em publicidade na terra dos Campeões Mundiais. Parece pouco, mas saltar de 0,6% para 1,5% de um mercado estimado pelo Ibope Kantor em cerca de R$ 120 bilhões significa ir de R$ 700 milhões para R$ 1,8 bi. Ou seja, injeção de mais de R$ 1 bilhão na indústria. Mas investidor publicitário quer associar sua marca a outras que tragam retorno, gerem reciprocidade, valorizem seus conteúdos. Hoje, como já mencionei há algumas semanas, os dirigentes responsáveis pelos clubes brasileiros querem apenas o dinheiro que vai ajudar a tapar algum buraco ou contratar mais um atleta que ficará sem receber salários na sequência.
Voltando ao mercado acionário, o primeiro caso que apresento é o da Juventus. Clube italiano que se notabiliza pelo recente domínio do futebol local, especialmente com a deterioração financeira de Milan e Internazionale. Duas finais de Champions League nos últimos 3 anos, e que nesta temporada apresentou as cartas sem medo, trazendo Cristiano Ronaldo para o clube. O efeito futuro disso será aumento nos custos, mas um potencialmente aumento de receitas e algumas movimentações de elenco, como a saída de Higuaín para o Milan em reformulação, de forma a buscar equilíbrio financeiro.
Imediatamente o que se viu foi uma explosão no valor de mercado de Vecchia Signora, cotada em Bolsa há algum tempo. No gráfico abaixo (clique para ver ampliado) vemos os movimentos ao longo do último ano.
Primeiro detalhe é o do volume de movimentação diária. Note nas barras na parte de baixo do gráfico que existem movimentações constantes, que justificam oscilações de preço.
Agora, note que a partir de Julho, após a eliminação de Portugal da Copa do Mundo e o início das especulações de que Cristiano Ronaldo poderia se transferir para a Juventus, o valor de mercado do clube tem um salto em que muda de patamar. Com alguma oscilação ao longo do período, conforme notícias indicavam que a negociação avançava ou não, as ações voltam ao nível do início de 2018 para, em Agosto, saltarem rápida e espetacularmente para níveis estratosféricos.
Bolha? Especulação? É consistente?
Perguntas difíceis quando se fala em valor de mercado de qualquer companhia, quem dirá de um clube de futebol. Mas o fato é que a aquisição de Cristiano Ronaldo, também conhecido como CR7, traz consigo uma série de benefícios ao clube italiano. Primeiro a qualidade técnica que o coloca em condição de favorito ao título da Champions League, ao lado de outros grandes europeus. Depois, as movimentações financeiras em torno da Juventus aumentaram consideravelmente. Esqueça a história da venda de camisas, que eu já tratei e desmistifiquei num artigo já antigo, quando da transferência de Neymar para o PSG, mas pense no aumento de investidores publicitários querendo associar seu nome à equipe por conta do atleta português. E adicione o aumento de demanda por ingressos em jogos do gajo – aqui na Itália é praticamente impossível encontrar ingressos para jogos da Juventus quando joga em casa – e o tamanho da visibilidade que trouxe ao clube.
Com isto, acredita-se em mais receitas em médio prazo, mesmo com mais custos no curto prazo. Expectativa é o nome do jogo e a Juventus se posiciona bem nesse sentido. Por isso o aumento no valor das ações é justificável.
Mesmo quando comparamos o valor das ações da Juventus com o índice da Bolsa de Milão, onde elas são comercializadas, vemos que há um descolamento razoável entre eles, de forma que as ações se comportam além do índice, para o bem e para o mal. Ou seja, o crescimento recente não foi obra de um movimento conjunto de mercado, mas sim de uma reação à condição do clube.
Note que antes do evento CR7 a ação da Juventus tinha perdido valor no período analisado, mesmo frente ao índice (Juventus tinha cerca de 15% negativo contra FTSE MIB de pouco abaixo de zero).
Voltando ao Manchester
Na semana passada faltou fazer uma comparação com o S&P 500, índice da Bolsa de NY onde as ações do clube são negociadas. Abaixo temos esta comparação ao longo do período de um ano.
A linha azul é o Manchester United e a roxa é o S&P 500. Existe um movimento de alta da ação acima do índice no final de 2018, e depois disso a ação andou em linha com o índice. Depois disso ela oscila com alguma performance acima do índice para enfim decolar a partir de Agosto, aí sim bem descolada do crescimento do S&P 500. No período, enquanto a variação da bolsa foi de 14,77%, a ação do Manchester United cresceu 46,82%. E esta diferença se deu basicamente nesse salto mais recente, porque até então vinha valorizada em cerca de 20%.
O fato é que, mais uma vez, confirma-se a ideia de que a ação teve movimentação bem acima do razoável, puxada por eventos fora do radar de mercado.
Outros clubes: qual a tendência
Vamos então passear por outros clubes de capital aberto e observar se há uma tendência de elevação no preço dos clubes de futebol ou se ainda temos movimentos pontuais.
O primeiro deles é o Borussia Dortmund, da Alemanha. No gráfico abaixo temos a comparação no período de 1 ano com o DAX 30, índice da Bolsa de Frankfurt.
No período as ações do clube alemão caíram 18,99% contra uma queda do índice de 4,91%. É uma queda grande em relação ao índice, que começou no final de 2017 e foi se acentuando até Abril de 2018, quando teve uma recuperação razoável, mas ainda assim manteve o valor da ação com forte queda em 1 ano.
Outro clube que vamos tomar como referência é a Roma. Na prática, a maior parte dos clubes tem baixa liquidez, isto dificulta uma análise mais profunda. Mas a Roma, como o Borussia, é um clube com alguma movimentação.
A Roma também apresenta um pico de valorização no final de 2017, sofre queda contínua até Junho para depois voltar e recuperar valor, chegando a 19,33% no período. O curioso é que no período onde a Roma chegou à semifinal da Champions League foi justamente o período de maior depressão no valor da ação. Ou seja, de fato, o aspecto esportivo não alterou o resultado do valor do clube, uma vez que as ações voltaram a crescer após o término da competição.
Por que estou tocando neste tema e, na verdade, retomando-o? Porque abrir capital é um tema recorrente nas conversas que tenho com jornalistas e torcedores. Na prática, existem poucos clubes realmente robustos e de capital aberto, e de fato a movimentação diária ainda é muito pequena, porque o chamado free float é baixo, e as ações estão nas mãos de poucos investidores. Ou seja, medir valor de um clube tendo como referência o fato de ser de mercado é pouco significativo, pois dado as características que acabei de citar, são mais suscetíveis a ações pontuais de mercado.
De qualquer forma, ainda é possível analisar movimentos interessantes em alguns clubes, que ajudam a entender como este mercado funciona. Seja através da ideia de alguém forçando o aumento no preço da ação, seja impacto de algum evento com expectativa futura positiva ou negativa, o mercado de ações se movimenta conforme suas próprias regras. E no caso do futebol, parecem estar muito mais associadas aos aspectos financeiros do que esportivos dos clubes.
Excelentes o conteúdo e a apresentação. Parabéns!
Esse site No Ângulo é o que se pode chamar de “vida inteligente” no futebol. Top!
Tradicionalmente, a ausência de perspectiva de rentablidade no longo-prazo, sempre foi o grande vilão dos clubes que buscaram a listagem em bolsa; a questão da liquidez (visto que muitas vezes as ações fica na mão dos torcedores e amassam o volume) também pesa bastante.
Abrir capital pode ser uma alternativa, vai gerar mais governança, regulação, etc; e acaba sendo um passo adicional rumo a um cenário de maior profissionalização; mas o modelo de negócios de um clube de futebol ainda precisa evoluir para ser percebido como uma Cia. tradicional, gerando retorno e sendo atrativa aos investidores. No fim do dia, empresas são profit maximizers, enquanto clubes de futebol não nacessariamente.
Movimentos como no Chile e Portugal são interessantes para aperfeiçoar o modelo, mas não conseguem se tornar atrativos, ainda, ao investidor de bolsa.